O Verão Quente sem tretas de historiadores (1)
Há 30 anos, no tempo em que ainda via televisão, esta tinha-se tornado uma chatice para nós. A única publicidade que havia era a que dizia: "Nacionalizado! Nosso!". Os únicos desenhos animados que havia, findos os fascistas Looney Tunes e Companhia, eram experiências com plasticina e coisa e tal dos países comunistas do Leste. A música preponderante era a das sessões de Canto Livre, em que tinhamos que levar com "morte ao fascismo" cinquenta vezes por segundo. E o ecrãzito estava recheado de militares que falavam, sem exagero, algo como isto: "A revolução, pá, dos operários, pá, camponeses, pá, pescadores, pá, soldados sempre ao lado do, pá, povo, pá, com o apoio dos estudantes, pá, e intelectuais, pá, vai prosseguir, pá, até, pá, que não haja, pá, um só fascista, pá, à superfície, pá, da terra, pá". Entre os que assim falavam, contam-se várias personalidades que para sempre ganharam tachos interessantes à custa de terem andado pelo meio da Revolução.
Continuando a falar em televisão, o Festival RTP da Canção de 1975 foi sintomático. Uma canção que não mais me saiu da memória foi a interpretada por José Mário Branco, que dava pelo nome Alerta!:
PELO PÃO E PELA PAZ
E PELA NOSSA TERRA
PELA INDEPENDÊNCIA
E PELA LIBERDADE
ALERTA! ALERTA!
ÀS ARMAS! ÀS ARMAS!
ALERTA!
PELO PÃO QUE NOS ROUBA A BURGUESIA
QUE NOS EXPLORA NOS CAMPOS E NAS FÁBRICAS
OPERÁRIOS, CAMPONESES HÃO-DE UM DIA
ARREBATAR O PODER À BURGUESIA
ABAIXO A EXPLORAÇÃO!
PELO PÃO DE CADA DIA!
POIS CLARO!
SÓ TEREMOS A PAZ DEFINITIVA
QUANDO ACABAR A EXPLORAÇÃO CAPITALISTA
CAMARADAS SOLDADOS E MARINHEIROS
LUTEMOS JUNTOS PELA PAZ NO MUNDO INTEIRO
SOLDADOS AO LADO DO POVO!
PELA PAZ NUM MUNDO NOVO!
POIS CLARO!
PELA TERRA QUE NOS ROUBA ESSA CANALHA
DOS MONOPÓLIOS E GRANDES PROPRIETÁRIOS
CAMPONESES, LUTEM P'LA REFORMA AGRÁRIA
P'RA DAR A TERRA ÀQUELE QUE A TRABALHA
REFORMA AGRÁRIA FAREMOS!
A TERRA A QUEM A TRABALHA!
POIS CLARO!
PELA INDEPENDÊNCIA NACIONAL
CONTRA O DOMÍNIO DAS GRANDES POTÊNCIAS
FORA O IMPERIALISMO INTERNACIONAL
QUE TEM NAS MÃOS METADE DE PORTUGAL
ABAIXO O IMPERIALISMO!
INDEPENDÊNCIA NACIONAL!
POIS CLARO!
NÃO HÁ POVO QUE TENHA LIBERDADE
ENQUANTO HOUVER NA SUA TERRA EXPLORAÇÃO
LIBERDADE NÃO SE DÁ SÓ SE CONQUISTA
NÃO HÁ REFORMA BURGUESA QUE RESISTA
DEMOCRACIA POPULAR!
E DITADURA PROLETÁRIA!
POIS CLARO!
Entretanto, entre sessões de canto livre, publicidade aos produtos nacionalizados e comunicados revolucionários recheados a "pás", a rádio passava com bastante frequência avisos relativos a uma epidemia de cólera que já não sei se existiu ou se esteve para existir... Lembro-me perfeitamente da voz cava que sempre começava assim: "As moscas vomitam a baba......."... Era de correr imediatamente para o restaurante mais próximo e fazer um banquete! Mas ainda me lembro de ir a restaurantes onde a feijoada vinha carregada de bichos enquanto os operários mais privilegiados se enchiam de camarão...
Espero que já tenham lido o suficiente de mim para poder entender que não sou nenhum saudosista do Salazarismo ou coisa que o valha. Trata-se aqui de contar coisas que os jornalistas e historiadores nunca contam, seja por convicção política, seja por excesso de ciência... A continuar mais tarde...
Imagens de www.st-abbs.fsnet.co.uk, http://images.google.pt/ e www.institutocamoes.pt.
2 Comments:
"As moscas vomitam a baba!...". Lembro-me, nitidamente de ouvirmos isso, no carro, perto da Guarda. Quanto à grandiosa canção, já se sabe. Essa de malhares, em simultâneo, nos jornalistas e nos hitoriadores... Realmente, a coisa até daria um bom ensaio de micro-história, ou "petite histoire", como dizem alguns eruditos. Mas não basta a história oral, há que ir à caça dos documentos... Não me lembro da feijoada com bichos. Prefiro "feijoada de bichos", ou seja, de gambas ou coisa parecida...
Ná, meu caro. Não malhei nos jornalistas e historiadores coisa nenhuma. O que eu afirmei foi que tem que haver quem conte as coisas duma perspectiva que nem jornalistas nem historiadores contam. E que é, no entanto, uma faceta real e possivelmente menos asséptica da realidade. Porque tendenciosos todos somos de uma forma ou outra, mas convém não deixar a história meramente aos ratos de biblioteca e afins porque a história que daí resulta é, embora válida e necessária, um pouco fria, assim como que de uma coisa que não aconteceu realmente... Abraço.
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