En attendant le corbeau
Um ermo desolado. Sentado sobre uma das incontáveis pedras que preenchem o espaço, um homem gasta o tempo calçando e descalçando as meias, esburacadas junto ao dedo grande e na zona do calcanhar. É sobrevoado por um corvo cujas penas vibram ao sol forte em reflexos de negro azulado. A ave solta um grito que se perde na distância. Muito lentamente, o homem pousa uma meia e ergue o olhar em sua direcção...
Homem 1 - Olha! Já passou... (coça a barba mal feita no queixo) Não valeria a pena atingi-lo com uma fisga, porque não tenho nenhuma. E as meias não chegariam lá. E, se chegassem, é possível que ele se esgueirasse entre os buracos.
Surge um segundo homem, fixa o primeiro com alguma surpresa, inclina-se sobre ele, coça a barriga, reergue-se e, cruzando os braços, exclama...
Homem 2 - Olá! Parece que não estamos sós!
Homem 1 (olhando-o de esguelha) - Sente-se! O deserto é vasto...
Homem 2 (sentando-se sobre um calhau próximo) - Como é que sabe que pode confiar em mim?
Homem 1 (com expressão distante) - Nunca afirmei que podia.
Homem 2 - Posso ser um ladrão. Ou um assassino. Ou um fiscal. Ou um agente de seguros. Ou um banqueiro. Ou um político...
O primeiro homem, incomodado, desliza para outra rocha, mais adiante.
Homem 1 - Olha! Já passou... (coça a barba mal feita no queixo) Não valeria a pena atingi-lo com uma fisga, porque não tenho nenhuma. E as meias não chegariam lá. E, se chegassem, é possível que ele se esgueirasse entre os buracos.
Surge um segundo homem, fixa o primeiro com alguma surpresa, inclina-se sobre ele, coça a barriga, reergue-se e, cruzando os braços, exclama...
Homem 2 - Olá! Parece que não estamos sós!
Homem 1 (olhando-o de esguelha) - Sente-se! O deserto é vasto...
Homem 2 (sentando-se sobre um calhau próximo) - Como é que sabe que pode confiar em mim?
Homem 1 (com expressão distante) - Nunca afirmei que podia.
Homem 2 - Posso ser um ladrão. Ou um assassino. Ou um fiscal. Ou um agente de seguros. Ou um banqueiro. Ou um político...
O primeiro homem, incomodado, desliza para outra rocha, mais adiante.
Homem 2 - Ó homem! Está a fugir? Era uma brincadeira!
Homem 1 (reticente) - Sou um homem sério. O que é uma brincadeira?
Homem 2 (admirado, sentando-se numa rocha mais próxima do primeiro) - Não sabe? Que diabo! Deve ser por isso que não tem ninguém com quem conversar...
Homem 1 (escapando-se mais dois calhaus para o lado) - Faz parte de se ser adulto, entende? Não brincar. Muito riso, pouco siso, nunca ouviu?
Homem 2 (aproximando-se dois calhaus) - Não gosta de uma boa anedota?
Homem 1 (indo novamente sentar-se dois calhau depois) - Nunca me consigo lembrar de nenhuma... Mas acho que já me devo ter rido...
Homem 2 (voltando a aproximar-se) - Então, eu conto-lhe uma!
Homem 1 (num suspiro resignado) - Seja...
Homem 2 (depois de pensar uns momentos) - Não. Infelizmente não me consigo lembrar de nenhuma... Deve ser do ar do deserto...
O primeiro homem chega-se para o lado, mas encontra um espaço sem calhaus e cai no chão com estardalhaço. O segundo aproxima-se e estende-lhe a mão.
Homem 1 (subitamente apavorado) - Porque é que me estende a mão? Não tenho nada para lhe dar!
Homem 2 (energicamente) - Vá! Não vai ficar aí estendido no meio do pó!
Homem 1 (erguendo-se rapidamente e sacudindo a poeira do casaco) - Não estou nada no meio da poeira!
Passa o mesmo corvo de há pouco, lançando o seu grito e sumindo-se no horizonte.
Homem 2 - Não estamos sós...
Homem 1 (depois de uma longa pausa) - Não.
Homem 2 (pensativo) - Mas onde estão os outros?
Homem 1 - Outros?
Homem 2 - Sim. Se não estamos sós!...
Homem 1 - Você... gosta de companhia?
Homem 2 - Alguém com quem conversar?
Homem 1 - Provavelmente...
Homem 2 - Não me recordo... Mas acho que sim.
Homem 1 - Ah!
Homem 2 - Porquê ah?
Homem 1 - Por nada. Ah.
Homem 2 - Ah!
Homem 1 - Então e a anedota? Talvez gostasse de experimentar rir...
Homem 2 - Não sabe?
Homem 1 - Não sei se sei...
Homem 2 - Eu acho que sei...
Homem 1 - Ah!
Homem 2 - Porquê ah?
Homem 1 - Por nada. Gosta de se rir. (franzindo o sobrolho) Ainda não me disse o que faz por estas bandas...
Homem 2 - Por aqui? Faço... Faço... (inicialmente parace perturbar-se mas acaba soltando uma gargalhada) Sabe que não sei?
Homem 1 - Está a rir-se!
Homem 2 - Pois é!
Homem 1 - Acho... Disse-me que fazia...?
Homem 2 - Acho que disse que não sei...
Homem 1 - Como, não sabe? Parece-lhe normal?
Homem 2 - E você, o que faz?
Homem 1 (convictamente) - Faço na meia.
Homem 2 - E é bom?
Homem 1 - É um trabalho.
Homem 2 - Ah!
Homem 1 (contendo a irritação) - Está-se a repetir!
Homem 2 - Estou?
Homem 1 - Acho que sim.
Homem 2 - Ah!
Uma terceira vez, o corvo sobrevoa o par, soltando o seu grito lancinante. O primeiro homem apanha um calhau e ganha lanço para lho arremessar.
Homem 1 - Às três é de vez! Toda a gente sabe que os corvos dão azar!
Homem 2 (pousando a mão no ombro do primeiro) - É só um corvo...
Subitamente, o primeiro homem, armado da pedra, desfere um conjunto de golpes sequenciais na cabeça do segundo, até que este jaz inanimado numa poça de sangue que se mistura com a poeira do solo.
O primeiro homem deixa cair a pedra e vai, lentamente, sentar-se sobre o calhau onde se encontrava no início. Espreguiça-se e recomeça a calçar e descalçar as meias.
Homem 1 (para a plateia) - Era um louco perigoso.
Imagem de www.rossway.net.
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