It takes two to tango

Quantas vezes a vida não parece mais estranha do que a ficção? Isso é porque toda a ficção se inspira directamente na vida! É porque somos todos medricas que costumamos optar pela ficção. Só que este blog vai optar pela vida... ou algo assim...

quinta-feira, setembro 15, 2005

O Katrina na imprensa internacional (cada um na sua onda)

É uma tentaçãozita muito agradável cascar no Bush Jr. a propósito da recente tragédia do Katrina, de que a sua administração não se encontra, naturalemnte, isenta de culpas. Isso e misturar tudo num copo alto e fazer um coktail quiçá molotov: 11 de Setembro, Afeganistão, II Guerra Mundial, Martin Luther King e Malcolm X, Vietname e Nixon, Iraque, etc., etc. Bom, o Master não comenta coisíssima nenhuma a propósito de mais esta tragédia que atingiu parte da humanidade mas achou de algum interesse deixar-vos alguns excertos do que a imprensa internacional disse a propósito. E a única coisa que, para além do incómodo que é uma desgraça, incomoda o Master é esta pergunta que não lhe sai da cabeça: E se fosse em Portugal? Parece-me muito certo que ninguém se incomodaria a bater no Sócrates (salvo, certamente, a nossa imprensa nacional)... Mas o mal talvez fosse considerável. Da maneira que somos organizados...




de Novosti (Rússia), por Vladimir Simonov

(O Katrina) mostra que a administração Americana não consegue conduzir duas guerras em simultâneo, uma a de exportar a democracia Americana e a outra a de cumprir o seu dever constitucional de assegurar a segurança pública. (...) As autoridades locais só receberam 10,6 milhões de dólares do tesouro federal, em lugar dos 60 milhões de dólares pedidos. Quatro mil Guardas Nacionais do Mississipi e 3000 da Luisiana poderiam ter sido enviados para a área atingida no sentido de resgatar as populações e salvá-las dos bandos armados, só que se encontram no Iraque. (...) Os Estados Unidos parecem um gigante com pés de barro, com um pé em Nova Orleães e outro em Bagdad.

de Le Figaro (França), por Guy Sorman

"A imagem dos Estados Unidos", diz uma vítima, "deteriorou-se. Existe um Terceiro Mundo no seio deste poder." Mas uma vez que a reputação dos Estados Unidos já se encontra tão diminuída, a sua queda ainda maior não deverá alterar o que quer que seja, dentro ou fora do país. Os não-americanos que, na sua imaginação, votaram contra George Bush, perderam de ambas as vezes. Os Americanos dificilmente são influenciados por isso e a linha divisória doméstica entre Republicanos e Democratas não foi afectada quer pelo Katrina, quer pela Al-Qaeda, muito menos pelo que as pessoas possam pensar em outros locais do mundo.






de Die Welt (Alemanha), por Michal Steurmer

Mas não foi Washington que tão acidamente criticou as Nações Unidas pela lentidão da sua resposta após o tsunami? Agora a mesma pergunta surge em toda a parte, muitas das vezes sem malícia imprópria - como é que os Americanos podem esperar salvar o mundo quando não se podem salvar a si mesmos? (...) Um dia, a cortina levantar-se-á a novas crises e não haverá heróis disponíveis. Então, os europeus aprenderão que a única coisa pior do que o poderio da América é a fraqueza da América.

de El Pais (Espanha), por Eduardo Mendoza

Não pretendo dizer que Bush deveria assumir a totalidade das culpas pela tragédia das inundações. Sem dúvida, agiu com incompetência, negilgência e falta de sensibilidade. E com estupidez: ir ao local da tragédia e colocar-se ao lado das vítimas constitui um gesto simbólico, mas o presidente dos Estados Unidos é, antes de mais, um símbolo. (...) Em termos práticos, o Estado comporta-se como o proverbial touro numa loja de louça da China, e às vezes como um polvo numa garagem. Na verdade, não dá de beber a quem tem sede, não dá quartos a quem mora na rua e nem sequer enterra os mortos. Ele é Leviatã, uma máquina desconjuntada, cuja utilidade na sua forma actual deveríamos começar a questionar fora do seu contexto bíblico.






de NRC Handelsblad (Holanda), por Jan de Niss
Milhares de vítimas da inundação em telhados de casas cheias de água e entulho. Ou pessoas à espera no centro de Nova Orleães, sem água nem comida, aguardando - em vão - que as salvem. As pessoas morrem dee fome e de sede no meio do calor e da humidade. Tipicamente, trata-se de negros pobres, que vivem nas áreas mais baixas da cidade. Os helicópteros são alvejados por bandos de bandidos armados. Cenas que poderíamos esperar de paíes do Terceiro Mundo, mas não da última superpotência Mundial, a América. A lentidão da resposta ao desastre desconsola-nos porque o furacão Katrina tinha sido previsto há já uma semana. (...) O desastre é o triste resultado de anos de clara negligência. A desconfiança geral dos eleitores Americanos no processo político resultou em governos locais e federal enfraquecidos. Para financiar a guerra no Iraque, o governo Americano reduziu (acreditem ou não, este ano) o orçamento para diques e para a manutenção de muros contra inundações para a cidade de Nova Orleães, assim como para planos de emergência.


de Khalees Times (Emirados Árabes Unidos), por Abid Ishak
À margem do jogo de outros vícios dos casinos destruídos, muitos dos residentes estavam totalmente esquecidos dos ensinamentos e mandamentos do Senhor da Natureza. Com o furacão Katrina, o Criador tornou clara aos seus servos uma realidade muito nítida, que o reino dos céus e da Terra está nas Suas Mãos e que Ele é Irresistível e Dominante face aos seus servos.



de Teshrren (Síria), por Nasr-Al-Deen Al-Bahra
O tsunami atingiu países pobres e em vias de desenvolvimento na Ásia. O Katrina (não faço ideia de onde surgiu tal nome) atacou uma nação desenvolvida. Este golpe constituiu uma boa oportunidade para os Americanos descobrireem alguns calcanhares de Aquiles no seu próprio terreno. (...) Um professor da destruída cidade de Nova Orleães, no estado da Luisiana, disse: "Já se sabia há muito da tempestade. Porque é que as autoridades não tomaram as medidas necessárias para evitar todas estas mortes?" Um Afro-Americano exclamou: "Houve inúmeros desastres perigosos e danosos em áreas de brancos. Como é que eles se apressaram a ajudar nessas áreas mas demoraram tanto a ajudar-nos?" Um comentador disse: "Este é o segundo maior desastre a atingir os Estados Unidos desde a tragédia do 11 de Setembro e é óbvio que o governo norte-americano não se encontra preparado para enfrentar tais crises".


de The Herald of Zimbabwe (Zimbabwe), editorial
O facto de Nova Orleães ser uma cidade do Sul, predominantemente povoada por Afro-Americanos, completa a imagem de Terceiro Mundo e também explica o motivo pelo qual o presidente George W. Bush não se sentiu impelido a encurtar as suas férias. (...) Tudo o que Bush fez até agora foi lançar ameaças contra as vítimas e enviar tropas Americanas com vontade de carregar no gatilho - directamente vindas de abusar de prisioneiros iraquianos - para "restabelecer a ordem". (...) Esperemos que o mundo esteja a observar e a julgar, porque esta é a mesma América que julgou a nossa recente tentativa de restabelecer a ordem.





de El Tiempo (Colômbia), editorial
Comparando a ocorrência do Katrina com a situação no Iraque, um colunista de Nova Iorque escreveu que abandonar os pobres a si mesmos numa Nova Orleães inundada (...) era como Bush abandonar soldados feridos no campo de batalha. (...) É ainda difícil de se prever como tudo isto afectará as prioridades globais de Washington e a sua política de auxílio económico a países como a Colômbia. Atá ao momento, é apenas possível observar-se como, entre as areias movediças do Iraque e as águas lamacentas do Mississipi, a credibilidade do presidente dos Estados Unidos e do seu governo estagnaram.


de The Nation (Paquistão), por Abid Mustafa
Um país que se orgulha da sua conquista do espaço, do seu armamento de alta tecnologia e da sua capacidade para pulverizar nações inteiras, desencadeou uma terceira resposta global à dor e ao sofrimento do seu próprio povo. A América engoliu finalmente o seu orgulho e pediu à UE e à OTAN ajuda de emergência, incluindo cobertores, kits de primeiros-socorros, aviões com água e alimentos para as vítimas do furacão. Esta é a mesma América que clama superioridade moral porque se vê como defensora dos direitos humanos e da igualdade. Mas no seu interior, espreita o racismo que o mundo testemunhou através do horrível tratamento dado aos Americanos negros e pobres, que constituem a vasta maioria das vítimas do furacão.



Espero que vão retirando algumas conclusões inteligentes de tudo isto... Bom, e não se esqueçam que continua a decorrer uma sondagem importantíssima uns posts abaixo! ;)

Textos de http://watchingamerica.com.
Imagens de
www.jamaicaobserver.com, http://us.news1.ymg.com e http://us.news2.ymg.com.