Tintin - O Sonho e a Realidade
E foi necessário um inglês, de forma prática, compreensível e estruturada, escrever uma obra sobre a figura de Tintin e, consequentemente, de Hergé e de todos os que com ele colaboraram de 10 de Janeiro de 1929 a 1983, uma obra directamente ligada à banda desenhada e que não esquece que Tintin foi, e é, banda desenhada, para que se parasse de confabular coisas pataratas acerca da humana figura do repórter-detective, para que, enfim, algo sobre o herói nascesse de realmente interessante e legível. Fim aos disparates inomináveis da colagem de Hergé a ideologias de extrema-direita! Fim aos disparates pseudo-psicanalíticos em que Tintin e Haddock têm, com certeza, que ser amantes! Possivelmente, fim ao que em psiquiatria dá pelo nome simples mas significativo de transferência...
O jornalista Michael Farr, que passou a infância em Paris, transporta-nos, assim, numa viagem desde o tempo em que Georges Rémi - ou Hergé - publicou as primeiras pranchas de Tintin no País dos Sovietes no Petit Vingtième, fruto sem rede da época, trabalhado à pressão, prancha a prancha, ao longo de uma imensa parte da história da Europa e do mundo, até à data da morte do criador, em Março de 1983 (contam-se hoje quase 23 anos), quando persistia em trabalhar em mais uma aventura do seu-nosso herói, Tintin e a Alph-Art, que desta vez decorria no mundo da arte, dos seus coleccionadores e dos seus marchands, mundo que Hergé conhecia bem, uma vez que era, ele mesmo, coleccionador.
Profusa e muito correctamente ilustrada, esta obra, editada em Portugal pela Difusão Verbo, corresponde a um intenso trabalho de pesquisa e pauta-se pela exactidão e, graças a Deus escrita por um jornalista, escapa a cada passo do delírio divagante de tendências políticas e de época que caracteriza a maioria das obras até agora escritas acerca do mesmo tema. São 23 títulos em análise, 23 pedaços de época, 23 retalhos das vidas do criador e da sua personagem, numa obra imprescindível para quem desejar conhecer em maior profundidade a história deste ícone do século XX e de todo o conjunto de circunstâncias que a foram rodeando.
Poderei não concordar a 100% com as preferências de Farr, mas não me rejo por niquices. Nem vou por cá começar a fazer a minha própria análise de Tintin, potencialmente enfadonha e possivelmente superficial. Digo-vos apenas: Tintin - O Sonho e a Realidade constitui um trabalho meritório e uma leitura altamente aconselhável.
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