It takes two to tango

Quantas vezes a vida não parece mais estranha do que a ficção? Isso é porque toda a ficção se inspira directamente na vida! É porque somos todos medricas que costumamos optar pela ficção. Só que este blog vai optar pela vida... ou algo assim...

domingo, maio 07, 2006

Livros de reclamações - usem-nos!


No Dia da Mãe fica bem comprar umas flores para oferecer. E aqui vai um post invulgarmente escrito à maneira de blog-diário - mas não só...
Há, na Maia, uma loja de flores de nome Artezé, bem pertinho do centro, onde fui comprar um ramalhete. Como é natural, era dia de grande negócio e compradores não faltavam.
Perguntei a um senhor, que se ufanava no atendimento, quanto custavam certos ramos já feitos que lá se encontravam. Ele disse algo que não se entendeu e continuou a aviar outros clientes que iam chegando, obviamente interessado em despachar os arranjos, muito mais caros, que ainda por lá se encontravam. E aqui é que começa a história...
Depois de muito aguardar, depois de muito variados clientes me ultrapassarem, depois de um bom bocado em que me vi completamente ignorado, pedi o livro de reclamações. O que eu fui fazer!
Pressionado por um funcionário mais novo para mo entregar, o senhor saca do telemóvel e diz que está a ligar para a GNR. "Para a GNR?", pergunto, algo aturdido. "Sim, quero que estejam cá a vê-lo preencher a reclamação". Não só por respeito aos GNR, que terão, certamente, muito mais que fazer, como ainda a mim mesmo e aos consumidores em geral, comecei a ferver. Claro que a GNR tinha mais que fazer, ainda que o funcionário tenha decidido justificar-se com uma historinha de embalar bebés pequeninos de que quando se preenche uma reclamação deve estar presente a GNR.
Desligado o telemóvel, o esforçado senhor muda de atitude e começa a desculpar-se, dizendo que tenho razão e por aí fora, mas que tenho que compreender e que estão ali há muito tempo e etc. e tal. Pelo meio, mete-se uma popular, a qual, com ar de comiseração, fixando-me bem nos olhos, me ensina que se trata de um dia diferente e que tenho obrigação de compreender.
"Sabe, o livro de reclamações é um direito legalmente garantido a qualquer cidadão e isso da GNR é um disparate", dou-me ao trabalho de explicar ao senhor. Que sim, que pois, que tenho razão, que tenho que compreender. "Bom, no meu trabalho, se faço alguma coisa muito mal, posso ter que enfrentar problemas sérios", digo. "Sim, sim, mas o senhor trabalha oito horas por dia...", justifica-se.
Como se fazia tarde e precisava mesmo de comprar as flores e despachar-me dali para fora, acabei por comprar o ramo e não preencher livro de reclamações nenhum. De certo modo, fiz mal. Porque contribuí para o prolongar de situações e atitudes absolutamente negativas.
Não tenho que desculpar nem tenho que compreender. Vocês também não. A atitude é moralmente errada, comercialmente idiota e perfeitamente ilegal. Moralizar a sociedade não é proibir o fumo em todo o lado. Moralizar a sociedade não é telefonar anonimanente para a polícia quando alguém faz uma festinha de amigos uma vez no ano. Moralizar a sociedade não é arruinar classes inteiras por conveniência egoísta, incapacidade de desempenhar o seu próprio papel e inveja pura. Moralizar a sociedade é muito mais do que isso e passa por as pessoas não tomarem sistematicamente o partido de quem infringe a lei, recomendando compreensão para o crime e lastimando quem entende que algo está bastante errado.
Fui embora sem preencher o livro. Mas não me quero ir embora sem vos deixar, aos consumidores e à Inspecção das Actividades Económicas, este nome: Artezé. Na Maia. E certamente que haverá mais Artezés por esse país fora...


Imagem de www.deviantart.com (fotografia de ashley T).

9 Comments:

At 2:59 da tarde, Blogger Antonio Santos said...

Também acho que o livro de reclamações é para ser usado, senão perde o sentido. Temos o dever, e não apenas o direito, de reclamar e de nos indignarmos. Da tua experiência, e até porque vivo na Maia, fica o registo - Arteze

 
At 6:22 da tarde, Blogger Jorge Simões said...

Tenho de confessar que não é o tipo de atendimento habitual. Mas a história é absolutamente real. E então a encenação do tipo a ligar para a GNR para me meter medo, devia dar logo direito a uma estadiazita nos calabouços... Claro, admito que, no dia em que foi, se tratasse do sogro da nora do cunhado do primo do avô da dona, sem qualquer espécie de percepção do que seja nem chá, nem atendimento público. De qualquer modo, ninguém lá dentro lhe pôs freio. Isso não está mal. Está muito mal. E o livro de reclamações é, muito naturalmente, para ser usado. Eu assisto a uma involução terrível, as pessoas todas à toa e prontas a defender o que não pode ser defensável, cheias de falsa compreensão só para não serem incomodadas, vejo tudo doido, com franqueza, e só me apetece desaparecer. Não há pachorra. Mesmo.
Posto isto, obrigado pela visita. :)

 
At 11:24 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Olha, olha, um vizinho!
Um dia aconteceu-me uma coisa parecida, acabei por aceitar o desconto! :(

Sim... isto de aceitar um "suborno" também não moraliza, mas dá um jeitão.

 
At 1:52 da tarde, Blogger Jorge Simões said...

Hello Zero! Vizinho? Que diabo, estamos todos na Maia? Se calhar, estamos fartos de nos vermos!
Bom, se o gajo me tivesse dado o ramo de borla como pedido de desculpas, seria pouco moralizador, mas vá lá. Mas não. Paguei o preço inteiro e pirei-me a tempo de estar com a minha mãe. Ele aprendeu uma lição? Talvez sim, talvez não... Só perguntando-lhe.
Aliás, por falar em descontos, lembro-me de uma vez, no Arrábida, mais propriamente no Tentação da Carne, apareceu-me um anzol enferrujado (!) no meio da picanha. Não imaginas a trabalheira que tive, já que o tipo, muito mal encarado, me queria fazer pagar o prato e pronto. É assim que Portugal funciona globalmente. A má formação é visível um pouco por todo o lado e em todas as ramificações sociais. Triste, se queres saber...

 
At 10:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Olá caro amigo (só lamento não poder dizer tb vizinho, pois não sou da Maia - mas conheço muito bem a Maia e tb a loja em questão)

Realmente há algumas situações um pouco contrangedoras, quando nos dirigimos a a um estabelecimento comercial. E realmente, o livro de reclamações veio espevitar as nossaas consciencias de consumidores. mas o que é curioso é que a implementaçã odo livro de reclamações veio mostrar ainda mais como os consumidores têm uma grande falta de consciência dos seus direitos e em especial dos seus deveres.
Passo a explicitar o meu ponto de vista (mas antes disso deixe-me acrescentar que não possuo qq estabelecimento comercial, sou apenas uma funcinária pública): tenho nestes ultimos tempos assistido a algumas situações de reclamação(de tal modo que tenho a sensação que se reclama mais por moda que por justa causa )um tanto ou quanto caricatas:não digo que não houvese motivos para a reclamação, mas o que me apercebi que o consumidor começou a usar o livro de reclamações como arma de arremesso e persuasão, quando está com pressa e não tem capacidade comunicativa suficiente para defender a sua posição. No seu caso concreto,pois foi a sua indignação que motivou este meu comentário, deixe-me que lhe diga, que não lhe tinha ficado mnada mal, antes de pedir o livro de reclamações,dirigir-se a quem estava a fazer o atendimento e indagar sobre as politicas do estabelecimento quanto às suas políticas de gestão da entrada dos clientes na loja; talvez também pudesse ter utilizado a sua capacidade comunicativa - que pelo que escreveu não me parece que seja assim tão limitada, apesar de uma pouco anafórica e hiperbólica- para pedir esclarecimento pelo atendimento tardio. Talvez isso tivesse evitado uma situação um pouco triste e pouco digna de ser vista, atendendo ao relato que fez do acontecimento.
Enfim, a sua descrição só veio confirmar a minha teoria de que um consumidor esclaecido e consciente é aquele que recorre ao livro de reclamações quando as situações assim o justificam e não apenas porque ouviu na cominicação social que agora em todo o lado à um livro de reclamações. É verdade ele existe!!!! Para reclamar... e não para gastar folhas só porque em determinado dia não estava com paciência ou estava com um pouco mais de pressa, ou então para podermos ter histórias engraçadas para contar aos amigos ou colocar nos nossos blogs... É triste nem sempre se ter o atendiemento adequado, mas muito mais triste é ver um consumidor, movido por vezes pela sua ignorância protocolar a nível social, a fazer tão ridículas figuras....

 
At 2:51 da manhã, Blogger Jorge Simões said...

Afinal, tinha motivos ou não tinha motivos? Não esclareceu.
De forma não anafórica nem hiperbólica, dir-lhe-ei que não tenho por hábito divertir-me a contar aos amigos ou no blog histórias "tristes" (da minha parte, assim parece). Pelo contrário, este blog é utilizado para alertar consciências. Claro que as consciências variam como o tempo: muitas delas, tendem a favorecer o criminoso, desculpabilizando-o face à vítima. Seja. Cada um faz como quiser. Se acho esse tipo de atitude triste, poderá facilmente depreendê-lo.
O livro de reclamações não é uma moda. É para ser usado. Mais tarde, quem de direito analisará a queixa e é assim que deve ser.
Independentemente de quem tenha deixado este comentário em cuja resposta já gastei demasiados bytes - pessoa ligada ao estabelecimento em questão ou funcionária pública que não apreciou o uso do livro de reclamações na sua secção seja lá do que for - mantenho-o para que outros leitores possam ajuizar com clareza quanto a quem diz o que diz. ;)

 
At 11:49 da manhã, Blogger Jorge Simões said...

Já estou a perder tempo demais com isto e penso que já ninguém vai ler estes comentários atrasados (salvo, eventualmente, a consumidora educada e etc. e tal... Gostaria, no entanto, de aqui acrescentar um par de coisas de presumível importância:
- Sem fazer o tipo de entrada óbvia e real de que poderia oferecer a esta pessoa quilos e quilos de chá que lhe faltam, uma vez que se escuda na patacoada costumeira do protocolo social, quero chamar a atenção para o facto de que o Master, que tudo sabe e tudo vê, sabe inclusive que esta pessoa chegou a este artigo através de uma pesquisa no Google, utilizando o termo Artezé. Só isso, já é significativo.
- Embora não tenha havido queixa (que, insisto, deveria ter havido) no livro de reclamações do estabelecimento, foi feita queixa às autoridades competentes para o caso. Muitíssimo grave e sintomático do que somos como país, seria que a personagem fosse, efectivamente, funcionária pública, entenda-se funcionária da entidade referida e que, por conhecimento e simpatia, tivesse decidido barrar a incoveniente participação. >:(

 
At 12:23 da manhã, Blogger Jorge Simões said...

Como é de meu direito e como se encontra indicado ao lado direito do blog, acabo de apagar um comentário que considerei indevido.
Como sabem, a vossa presença é sempre bem vinda, assim como os vossos comentários, não necessariamente laudatórios, mas que sejam construtivos.
Quanto às mentes menores, podem dirigir-se directamente aos blogs de sucesso, concebidos especialmente para agradar às multidões medíocres. :)

 
At 3:00 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 

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