It takes two to tango

Quantas vezes a vida não parece mais estranha do que a ficção? Isso é porque toda a ficção se inspira directamente na vida! É porque somos todos medricas que costumamos optar pela ficção. Só que este blog vai optar pela vida... ou algo assim...

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Conversa de café

Sabem que, na minha função de Repórter XKO, tenho por hábito bisbilhotar (ou aprender com) as conversas que me rodeiam. Sou uma câmara ambulante e a conversa que se segue, certamente igual a tantas e daí a sua banalidade e o seu interesse, escutei-a hoje (ia já a meio) da minha mesa de café...


Um homem e uma mulher, ambos jovens, sentados a uma mesa. Ele procura aproximar-se. Ela busca afastar-se. Parece zangada. A expressão dele revela um equilíbrio entre o zangado e o apologético.

Ele: Sabes perfeitamente que gosto de ti!
Ela (enfastiada e aparentando distracção): Sim?
Ele: Claro. Para que é que é essa ironia?
Ela (com um sorriso amarelo): Ironia?
Ele: Ou sarcasmo...
Ela (esticando o pescoço): Estás a passar das marcas!
Ele: Desculpa, mas não tornas as coisas fáceis...
Ela (cansadamente enfática): A vida não é fácil.
Ele: Pronto, pronto. Mas, afinal, o que é que se passa?
Ela: Acho que já devias ter entendido.
Ele: Entendido o quê?
Ela: Nunca entendes. Nunca entendeste e nunca vais entender.
Ele: Se te explicares, talvez entenda...
Ela: Enervas-me.
Ele: Enervo-te... Porquê?
Ela: Porquê, porquê! Queres sempre porquês! Isso enerva-me.
Ele: Bom, quando começámos a andar, combinámos que iríamos sempre discutir abertamente todos os problemas...
Ela: Lá está, andas sempre à procura de pormenorzinhos e problemas!...
Ele: Então?
Ela: As pessoas não são todas iguais.
Ele: Tenta fazer um esforço... Que é que te preocupa?
(pausa)
Ela: Andarias com uma rapariga se soubesses que tinha sido prostituta?
Ele: Hã? Er... Sim, era uma questão do passado.
Ela: Estás a arranjar desculpas. (pausa) Andarias com uma rapariga que tivesse um passado lésbico?
Ele: Se fosse lésbica, para que é que se iria interessar por mim?
Ela: Não desconverses. Andarias ou não?
Ele: Se gostasse dela... acho que sim.
Ela: Estás a arranjar desculpas. (pausa) Andarias com uma rapariga se ela dormisse com outros?
Ele: Porquê? Fizeste isso?
Ela: Não personalizes, não tem nada a ver. Sim ou não?
Ele: E eu também poderia dormir com outras?
Ela (com ar de indiferença): Tanto faz, desde que não me trouxesses doenças para casa...
Ele: Isso é um bocado insultuoso... Mas, afinal, onde é que queres chegar?
Ela: Nunca se chega a lado nenhum. Não me entendes e não fomos feitos um para o outro. Se calhar, devíamos ser só amigos...
Ele: Sempre nos demos tão bem! Não fomos feitos um para o outro como?
Ela (irritada): Bolas, não me entendes mesmo! Pareces uma gaja!
Ele: As gajas não se entendem?
Ela: Não tem nada a ver! O que te vai perder é que és muito rancoroso.
Ele: Eu? Rancoroso? Achas que estou a ser rancoroso?
Ela: As pessoas usam máscaras... És muito rancoroso.
Ele: Caramba, mas rancoroso como?
Ela: Rancoroso. Não sabes português? Enervas-me.
Ele (abanando a cabeça): Bom, eu acredito em nós... Estou aqui para resolver o que for necessário resolver...

Com uma leve tremura, o rapaz tenta dar um beijo à rapariga. Ela desvia-se e dá a face no último instante.

Ela: Esses beijinhos vão ter que acabar! E já sei como é que hei-de fazer...
Ele (ainda abalado): Como é que vais fazer o quê?
Ela (com um sorriso sardónico): Depois verás...
Ele: Verei o quê? Estás-me a fazer muito mal, sabes? Dir-se-ia que não te importas...
Ela: Tu é que te fazes mal! Mereces alguém melhor do que eu, alguém que te mereça a ti.
Ele: Bolas, mas eu gosto é de ti! Fala, que é que queres?
Ela: Acho que mereço melhor...
Ele: Então, tu é que mereces melhor. E eu sou pior, claro.
Ela: Não foi nada disso que eu disse. Não dá mais. Não dá!

Pausa. O rapaz tenta dar a mão à rapariga e ela retira-a irritadamente.

Ele: Caramba, de que é que não gostas em mim? Das minhas unhas? Queres que use um bigode recurvado? Que aprenda a dançar hip-hop?
Ela: Não me entendes e enervas-me. Não dá, pronto.
(pausa longa)
Ele (contendo a fúria e mantendo a compostura aparente): Desculpa que te diga, mas acho que um par de lambadas te assentariam bem...
Ela (erguendo-se subitamente, com a expressão alterada): Caramba, que estava a ver que nunca mais entendias! Vamos para casa!


The characters portrayed in this brief dialogue, created solely for entertainment purposes, are entirely fictional and totally devoid of any type of prejudice. The author cannot be held responsible for what anyone may do, not do, think about doing, not think about doing, becoming a member of any religion or a downright atheist as a result of having read, declined reading or anything in between, this short sample of a tentative theatrical play.



Imagem de www.bbc.co.uk.

3 Comments:

At 10:07 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Como mero exercício de diálogo entre duas personagens, considero excelente este post :)
Surpreendente, também, pois desde que acompanho o blogue não me tinha ainda deparado com este tipo de criatividade.
Um abraço ao Master Minder

 
At 10:47 da tarde, Blogger Jorge Simões said...

Muito obrigado, Marco. Sabes, a característica principal deste blog é que me dá direito a fazer coisas diferentes, conforme o que me dá na veneta. Neste momento, deu-me para fazer umas teatradazitas à ma façon - vamos lá a ver se me surgem mais algumas... Ainda bem que gostaste, é isso que me dá vontade de prosseguir! :)

 
At 10:53 da tarde, Blogger Jorge Simões said...

Muchas gracias! :)

 

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