It takes two to tango

Quantas vezes a vida não parece mais estranha do que a ficção? Isso é porque toda a ficção se inspira directamente na vida! É porque somos todos medricas que costumamos optar pela ficção. Só que este blog vai optar pela vida... ou algo assim...

sábado, agosto 20, 2005

Tudo perdido, tudo ganho...

E como nem tudo tem que ser cabalmente científico ou humorístico (se bem que na obra do autor que agora vos trago esteja frequentemente presente o humor, um humor diferente do meu, do das Produções Fictícias, do de Seinfeld, do de Woody Allen, do dos Monty Pithon, enfim, tantos humores diferentes... e aqui trata-se de poesia), façam o favor de apreciar um poema de Carlos Drummond de Andrade, figura maior da poesia em língua portuguesa.
Nascido em Itabira de Mato Dentro (Mato Grosso) a 31 de Outubro de 1902 (não me lembro bem a que signo isso corresponde mas também não creio que tenha muita importância), filho de uma família de fazendeiros em decadência, estudou em Belo Horizonte e, seguidamente, com os Jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo (Rio de Janeiro), de onde foi expluso por "insubordinação mental". Acabou por se formar em Farmácia por insistência familiar e tornou-se chefe de gabinete do ministro da Educação até 1945, data a partir da qual trabalhou, até 1962, com o Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional.
Poeta de grande rigor, cronista, tradutor, ensaista, autor de contos, traduzido em inúmeras línguas, faleceu no Rio de Janeiro a 17 de Agosto de 1987, dias apenas após a morte da cronista Maria Julieta Drummond de Andrade, sua filha única.
E vamos ao que interessa. A poesia...



Consolo na Praia

Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te - de vez - nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.


E está na hora de me ir deitar. Talvez tenha sonhos bons... Mas sempre vos deixo com o desejo e os votos de que nunca se esqueçam da poesia. É ela que, de forma tão única, tão especial, logra desracionalizar as palavras para as transformar em sentimentos (a análise formal, deixo-a para os alunos da Faculdade de Letras e para os teóricos deleitados). Um abraço apertado do vosso Master.