Em defesa dos miúdos
Hoje em dia, todos os pais querem que os filhos venham a ser médicos. Não só que venham a ser médicos como ainda que venham a ganhar o Prémio Nobel. Não só que ganhem o Prémio Nobel da Medicina como ainda que ganhem todos os prémios Nobel à disposição.
Coitados dos miúdos, não lhes basta ir passar tempo para o ATL... Não lhes basta as aulas que têm que frequentar... Não lhes basta a montanha de trabalhos de casa que os professores, nomeadamente no segundo ciclo, onde o caso aparenta ser claramente mais sério - isto sem que nitidamente haja uma melhor preparação a nível de conhecimentos, paradoxo!)... Não. Ainda têm que aprender um instrumento. E praticar uma actividade física. E aprender umas tretas de Inglês em escolinhas cujos professores falam Inglês de tipo marroquino. E aprender informática que tão bem aprenderiam por si sós (apesar de os pais detestarem quando os miúdos usam a informática de uma forma agradável... não, a informática, como tudo, tem que ser chata). E, e, e, e, e, e, e............... Os desgraçados dos putos têm que trabalhar. No fim do dia, o que lhes sobra é o trabalho. Trabalho infantil?
O nosso governo, completamente perdido e despersonalizado, absolutamente rendido à ignorância egoísta da opinião pública, arranjou mais uma maneira de tramar os miúdos. A partir de agora, será obrigatório que, de cada vez que um professor falte, seja substituído por outro, preferencialmente da mesma disciplina, preferencialmente que, no meio da óbvia bandalheira gerada, que os putos são seres humanos com uma personalidade e uma consciência e não autómatos à mercê do caregar de botões de pais e dirigentes, lhes vá leccionar uma aula. Uma aula séria. Cheia de seriedade.
Rouba-se assim à miudagem o direito ao feriado a que todos tivemos direito, que tão bem aproveitámos e que tanto apreciámos. O país tem uma baixa produtividade. É por isso que urge impingir a produtividade aos garotos, enquanto os adultos continuam a baldar-se como lhes permitem e a trabalhar mal e porcamente tanto no público como no privado - que essa história de que o que é privado é bom, é a treta do século e só alguém muitíssimo distraído não o saberá. Mas há que exercer a vingança (inconsciente, admitamo-lo) em alguém: quem melhor do que as crianças, que não têm voto na matéria?
Entretanto, as empresas não existem, existem cada vez menos, são cada vez mais penalizadas, tal como os cidadãos são cada vez mais penalizados, e ninguém se entende num país que cada vez mais se afunda e no qual ninguém é capaz de tomar medidas construtivas e de progresso. O que é preciso é pôr a cambada de preguiçosos (neste caso os desgraçados dos miúdos) a dar o litro. Mesmo que isso não sirva para nada a não ser para acalmar as consciências de todos os que afirmam convictamente que, "antigamente era diferente e agora o mundo é outro", o que quer que isso possa significar para além do óbvio egoísmo tão nitidamente patente nas mentes de quem tem o poder, qualquer tipo de poder.
Imagens de www.attachmentdeficit.com e www.iwholehealth.com.
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