It takes two to tango

Quantas vezes a vida não parece mais estranha do que a ficção? Isso é porque toda a ficção se inspira directamente na vida! É porque somos todos medricas que costumamos optar pela ficção. Só que este blog vai optar pela vida... ou algo assim...

terça-feira, janeiro 31, 2006

Islão procura impôr censura ao Ocidente


Vem-nos claramente à memória a verdadeira caça ao homem lançada pelo ditador iraniano Khomeiny contra o escritor Salman Rushdie, em consequência de este ter escrito Os Versículos Satânicos...
Quando, em Setembro passado, Kåre Bluitgen pretendeu publicar um livro sobre Maomé na Dinamarca, enfrentou-se com uma enorme dificuldade em encontrar ilustradores: as representações humanas e muito especialmente do profeta são estrictamente proibidas e os potenciais ilustradores temeram pagar "a ousadia" com a vida. Foi diante desta situação e em nome da liberdade de expressão que o Jyllands-Posten, o jornal de maior tiragem do país, contactou uma série de artistas e, consequentemente, publicou um conjunto de caricaturas sobre a temática.
As reacções por parte dos muçulmanos não tardaram a fazer-se sentir e começaram precisamente em casa, quando Raed Hlayhel, um imã que vive na Dinamarca e goza das benesses próprias de quem mora na Europa Ocidental, afirmou: "Este tipo de democracia não tem qualquer utilidade para os muçulmanos. Os muçulmanos nunca aceitarão este tipo de humilhação. O artigo insultou todos os muçulmanos do mundo. Exigimos desculpas!" Logo de seguida, o jornal viu-se forçado a contratar forças de segurança para proteger os seus funcionários, visto ter sido inundado por uma verdadeira avalanche de ameaças telefónicas e por email.
Na sequência, em Outubro passado, embaixadores de onze países muçulmanos na Dinamarca exigiram ao primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh, uma reunião para debater a "campanha de insultos" contra os muçulmanos na imprensa dinamarquesa. "Não me encontrarei com eles, porque somos uma democracia e não vejo razões para o fazer. Não posso aceitar que o respeito por uma opção religiosa conduza à censura da crítica, do humor e da sátira na imprensa. Enquanto primeiro-ministro, não disponho de quaisquer meios que me permitam desencadear acções contra a imprensa, nem desejo tê-los", declarou Fogh.
Resposta errada! De imediato, representantes egípcios, envolvidos até então num debate com os seus pares dinamarqueses num diálogo acerca dos direitos humanos e da discriminação, retiraram-se e Mohab Nasr Mostafa Mahdy, conselheiro na embaixada egípcia, declarou: "O embaixador egípcio na Dinamarca afirmou que o caso já nada tem a ver connosco. Está agora a ser tratado a nível internacional. De acordo com as minhas informações, o caso dos cartoons já se encontra agendado para discussão na próxima cimeira extraordinária Conferência da Organização Islâmica".
Já em Novembro, a Dinamarca foi assolada por inúmeras manifestações contra os cartoons, as quais contaram com a participação de milhares de muçulmanos morando naquele país. Nessa altura, dois dos cartoonistas viram-se obrigados a esconder-se (como Rushdie), enquanto a Organização Islâmica lançava um protesto contra os bonecos. O partido paquistanês Jamaaat-e-Islami ofereceu um prémio em dinheiro a quem matasse qualquer dos cartoonistas envolvidos. Em Caxemira, inúmeros estabelecimentos comerciais encerraram portas para protestar contra os cartoons (e, possivelmente, para gozarem de um feriado justificado). Mohammad Sayed Tantawi, Grande-Xeque da Universidade cairota de Al-Azhar afirmou publicamente que os cartoons "ultrapassaram todos os limites da crítica objectiva, tendo-se transformado em insultos e em desprezo pelas crenças religiosas de mais de mil milhões de muçulmanos em todo o mundo, incluindo milhares na Dinamarca. Al-Azhar pretende protestar contra estes cartoons anti-profeta junto dos comités responsáveis das Nações Unidas e de grupos de direitos humanos por todo o mundo".
Louise Arbour, a politicamente correcta alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, escreveu, em carta à Conferência da Organização Islâmica: "Comprendo a vossa atitude face às imagens publicadas no jornal. Sinto-me alarmada diante de comportamentos que desrespeitam as crenças de outrém. Trata-se de algo inaceitável". Não se preocupando, entretanto, de igual modo, com as "sensibilidades" dos dinamarqueses ou de outros ocidentais, anunciou subsequentemente que se daria início a investigações sobre o racismo e a islamofobia.
"Devemos calmamente salientar que as ilustrações se destinaram a um artigo acerca da censura que rege uma grande parte do mundo. O nosso direito a afirmar, escrever, fotografar e ilustrar o que desejarmos, dentro dos limites legais, existe e assim se deve manter - incondicionalmente. Se nos desculpássemos, íríamos contra a liberdade de expressão por cuja existência muitos se bateram durante gerações", declararam os representantes do jornal dinamarquês.
E pronto. No meio de todo este desenho animado, várias embaixadas de países islâmicos encerraram já as suas portas em Copenhaga!
O Master (que já leu o Corão e livros sobre a vida do profeta) não deseja, entretanto, deixar-vos, sem uma pequena mostra dos cartoons da polémica...










Párem! Párem! Esgotaram-se-nos as virgens!








Calma, meus amigos! Parece que afinal não passa de um desenho feito por um dinamarquês descrente!









Quite shocking, is it not? Mas não basta soltar uma risadinha e voltar a página como se nada representasse nada. Quem concordar que os países islâmicos nos estão a tentar impôr a sua civilização em nossa própria casa, a tentar impôr-nos a censura em nome de um profeta de quem conheço a biografia que, sinceramente, não comentarei (seja por respeito por quem acredita; seja porque tenho esse direito; seja porque não quero ser chateado por guerreiros medievais), está desde já convidado(a) a publicar estes cartoons no respectivo blog. Abraços.



Informações de www.frontpagemag.com (artigo de Robert Spencer) e de www.publico.pt.

Imagens de www.rnw.nl.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Encontro com um pobre diabo


Jeremias dorme a sono solto no seu minúsculo quarto. Uma racha quebra-lhe perpendicularmente o guarda-fatos que comprou em segunda mão e manchas de humidade desenham formas escuras e fantasmáticas a partir da janela, cuja persiana se encontra entreaberta por medo do escuro, e escorrem pela parede abaixo, até perto da cama barata que chia de cada vez que se movimenta no sono. A mulher fugiu com um cirurgião plástico que conheceu numa operação de arrebitamento do nariz (cujas prestações ele ainda paga mensalmente ao banco) e enviou-lhe um email lacónico em que afirmou apenas: "Tornaste-te muito medíocre. Bj". O filho adolescente despreza-o por "ser um fraco e não saber de nada". As colegas de trabalho riem-se-lhe nas costas por gaguejar e padecer de acne tardia. Os amigos afastaram-se por o terem passado a considerar "chato e pouco alegre". E os cães de guarda atiram-se-lhe com um terrível afã devorador, de cada vez que, distraidamente, passa diante dos seus portões.
Dorme, então, pacificamente Jeremias, quando um estranho tremor toma conta do quartinho, fazendo-o erguer-se num salto, ainda a tempo de evitar a queda de um crucifixo de bronze em cheio no cocoruto. Estrebucha e abre os olhos tanto quanto consegue. Diante de si, depara com uma estranha personagem de sobrancelhas que apontam para cima, olhos azul-aquáticos, um meio-sorriso aberto (seja lá isso o que for) e uma pequena pera afilada. Veste uma longa gabardina negra até ao chão, como um urbano-depressivo perdido no tempo.

Jeremias - Quem és tu? Quem sou eu? Que fazes aqui? Estarei acordado? Estarei a sonhar? Porque é que estás rodeado de uma estranha aura luminosa arroxeada?
Desconhecido (num tom de voz cavo mas tranquilizador) - Sou um amigo... Já disse montes de vezes ao meu luminotécnico para variar, mas o gajo é um chato dum conservador sem emenda!

Jeremias senta-se ao lado direito da cama, mas regressa rapidamente aos cobertores.

Jeremias - Que frio, maldito inverno! Um amigo, hã? Então, deves achar-me chato e pouco alegre. Por acaso não terias um Prozac contigo?
Desconhecido (gargalhando e inclinando o pescoço demasiadamente para trás) - Prozac? Aiiii, acho que estou a precisar de fisoterapia, a idade não perdoa!... (tossícula) Prozac? Isso é para os fracos! Tu és forte!
Jeremias - Sou, é? Mas estou um bocado ensonado... Não seria possível termos esta conversa a uma hora decente... sei lá, depois das duas?
Desconhecido - Não estás a ouvir nada! Sou o teu único amigo neste e no outro (meio-sorriso aberto) mundos! E ofereço-te a oportunidade única de seres o que quiseres: forte, rico, poderoso, adorado... e ainda de ganhares os prémios artísticos que quiseres! You name it!
Jeremias (pensativo) - És da Maçonaria?
Desconhecido (fazendo uma complicada reviravolta com as fraldas da gabardina) - Não! O meu nome é... Lúcifer!
Jeremias - Lúcifer... Acho que já ouvi falar em ti... Fazes parte do jet-set de Cascais? Às vezes, enquanto espero pelo dentista, tenho oportunidade de ler muitas revistas sobre o jet-set de Cascais...
Lúcifer (elevando a voz) - Lúcifer, criatura! O mais belo e poderoso dos anjos, o justiceiro da alvorada e do entardecer, o inimigo de não interessa quem, o que tem a coragem de desafiar O Que Tem Mil Nomes E Cujo Nome Não Pode Ser Pronunciado!... Uf, canso-me de falar com tantas maiúsculas seguidas!
Jeremias - Bom, Dulcimer, tem calma... O que é que te leva a acordares-me assim, a meio da noite?
Lúcifer - Não é Dulcimer, cretino! Lúcifer!
Jeremias - Desculpa, Luther, tenho pouco jeito para nomes... Que é que desejas, afinal?
Lúcifer (coçando a pera nervosamente) - Lúcifer! Lú-ci-fer! Não pode ser assim tão difícil, hã?
Jeremias - Pronto, pronto, não te enerves. Por acaso, tinha um primo que também se enervava muito e acabou por sofrer um AVC. Se quiseres, trato-te por pá e assim evitamos idas ao médico, que sempre custam os olhos da cara. E então, dizias tu...?
Lúcifer - Já te disse, criatura! Força, riqueza, poder, adoração, todos os prémios que quiseres!
Jeremias - Estás a falar do Euromilhões?
Lúcifer - Vá, não me peças coisas impossíveis!
Jeremias - Hmm... Tens andado a ler muito Harry Potter, certo?
Lúcifer - Bem, queres ou não queres?
Jeremias - O quê?
Lúcifer - O que ainda agora te propus, que diabo!
Jeremias - Desculpa, estou com sono. E o que é que foi?
Lúcifer (suspirando) - Força, riqueza, poder, adoração e ainda os prémios que quiseres!
Jeremias - Só quero que me respondas a uma pergunta que me tem vindo a atormentar...
Lúcifer - Ok, pergunta!
Jeremias - De que cor é o urubu do quadro negro?
Lúcifer - Hã?
Jeremias - De que cor é o urubu do quadro negro?
Lúcifer - E eu é que sei? O meu reino está muito para lá do da rainha de copas!
Jeremias - Desculpa, mas essa é a resposta de que preciso. Se não sabes, não me convences. Boa noite e volto a dormir. Desculpa não te acompanhar à porta de saída...
Lúcifer (desconcertado) - Qual é que era a pergunta?
Jeremias - Estás com problemas de memória... Fazes uma alimentação variada e descansas o suficiente de acordo com o teu biorritmo? Ok. De que cor é o urubu do quadro negro?
Lúcifer - Vermelho...
Jeremias - Népias!
Lúcifer - Nã... Népias?
Jeremias - Népias.
Lúcifer - Pronto, estava a inventar!
Jeremias - Ok, não te preocupes. Tenho outra pergunta importante... Quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?
Lúcifer - Ouve bem, ofereço-te força, riqueza, poder, adoração e os prémios que quiseres e preocupas-te com galinheiros?
Jeremias - Diz.
Lúcifer - Pronto... O ovo.
Jeremias - Não.
Lúcifer - A galinha.
Jeremias - Também não.
Lúcifer (exasperado) - Então, o quê?
Jeremias - Sei lá, não és tu quem tem que saber?
Lúcifer - E eu respondi!
Jeremias - Não respondeste coisa nenhuma. Disseste e contradisseste. Se não tens a certeza, é porque não sabes. Como é que achas que vou poder confiar em ti?
Lúcifer - São coisas muito subjectivas e estou a tentar simplificá-las porque te quero poupar, é só. Queres mesmo ficar a debater filosofia a noite inteira?
Jeremias - Ao menos estudaste filosofia na Faculdade de Letras?
Lúcifer (rosnando baixinho) - Começo a ficar com vontade de te lançar um dos meus raios!...
Jeremias - Perdão?
Lúcifer - Nada, nada...
Jeremias - Detesto quando alguém fala e depois diz que não é nada!
Lúcifer - Estava só a aclarar a garganta. Tenho andado um pouco constipado...
Jeremias - Posso-te arranjar uma aspirina, mas não tenho nada específico para a constipação...
Lúcifer (mudando de assunto) - Bom, o que é desejas mais do que tudo, no fim de contas? Todos os homens desejam algo! Pede e eu concederei!
Jeremias - Porque é que dizes os homens e deixas as mulheres de lado? Não te parece um pouco sexista?
Lúcifer - Os homens e as mulheres, pronto!
Jeremias - Como é que sabes que sou homem?
Lúcifer (surpreendido) - És gay?
Jeremias - Não e também não te interessaria se fosse. É uma questão de princípios!
Lúcifer (suspiro profundo) - Vá, vá, vá... Pede e eu concederei!
Jeremias - Qual é a tua taxa de juro?
Lúcifer - Taxa de juro? Mas isso é diabólico! O meu antigo patrão não gostava nada dessas noções...
Jeremias - Deve estar na falência...
Lúcifer - Ligeiramente (meio-sorriso aberto). Mas não é isso que nos interessa agora. Eu não cobro juros.
Jeremias - Como é que podes não cobrar juros? Vais viver de quê?
Lúcifer - Sou uma espécie de instituição de caridade.
Jeremias - Qual é o teu número de contribuinte?
Lúcifer - Número de contribuinte?
Jeremias - Sim, não me digas que és daqueles que fogem ao fisco e nos levam a todos à bancarrota!
Lúcifer - Que é que te interessa o meu número de contribuinte?
Jeremias - Não vou fazer negócios por baixo da mesa, não achas? Hoje em dia, o fisco não anda a dormir. Passas-me uma factura que eu possa descontar no IRS?
Lúcifer - IRS?
Jeremias - Sim, o IRS, o IVA, o IRC, sabes, aquele dinheiro que ganhamos mas não ganhamos e que paga as contas dos gestores do Estado, as benesses e as reformas dos políticos e as empresas que vivem de subsídios.
Lúcifer - Isso é diabólico!
Jeremias - Estás sempre com o diabo na boca!
Lúcifer - Sim... (meio-riso aberto)
Jeremias - E não te ofendas, mas esse teu meio-riso aberto é um bocadinho irritante...
Lúcifer (surpreendido) - Sim? Costumava ser muito apreciado! Bom, vou tentar rir-me menos...
Jeremias - Isso. Muito riso, pouco siso, já dizia a minha avó.
Lúcifer - Pois. Então, qual é o teu desejo? Força? Riqueza? Poder? Adoração? Prémios?
Jeremias - Nada disso.
Lúcifer - Então? Vá lá, diz!
Jeremias - Quero chuva na eira e sol no nabal.
Lúcifer (aproximando os ouvidos) - O quê?
Jeremias - Chuva na eira e sol no nabal. Falas português?
Lúcifer - Até falo latim ao contrário, se quiseres! Mas isso é um bocado surreal... Só Aquele Que, enfim, sabes quem, é que pode decidir dessas coisas... Lamento.
Jeremias - Desculpa, mas isso soa-me a incompetência. Acho que devias fazer uma reciclagem...
Lúcifer (rangendo os dentes) - Pede-me coisas realistas, com mil diabos! Força! Dinheiro! Poder! Adoração! Prémios! Coisa realistas, se fazes o favor!
Jeremias - Pronto. Quero lógica no mundo.
Lúcifer (erguendo uma sobrancelha) - Lógica onde?
Jeremias - No mundo! Falas português ou não? Lógica no mundo!
Lúcifer - Neste mundo?
Jeremias - E onde é que havia de ser? Em Caronte?
Lúcifer - Meu Deuuuuuuuuuuuuuuuus!......... Hã? Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!

Esvai-se numa nuvem etérea, arroxeada e com cheiro a enxofre.

Jeremias (olhando em redor) - Desapareceu!... Bom, vou voltar a dormir. Estes vendedores são uns pobres diabos...


Imagem de http://tenjin.coara.or.jp.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Breves: democracia na Palestina

Link para uma breve do Público.pt: http://publico.clix.pt/shownews.asp?id=1245971&idCanal=18

Ainda têm muito que aprender...

Experts da bola


Eis mais uma conversa captada pelo repórter XKO numa mesa de café... Para tal, foram utilizados micro-aparelhos de captação de som apenas acessíveis a jornalistas e espiões de alto gabarito. O texto contém expressões eventualmente chocantes para crianças, adolescentes, jovens e adultos sensíveis (ainda que pouco variadas) mas tal só sucede em consequência da opção ultra-profissional de se manter uma total fidelidade ao real. Por favor, não tente manter conversas deste género em casa - destinam-se apenas a profissionais. Se o seu filho/filha começar a falar desta forma (eventual facto pelo qual o autor do blog declina toda e qualquer responsabilidade, visto que nenhum pai ou mãe responsáveis permitiriam a visualização do mesmo a menores de 35 anos), leve-o imediatamente ao psicólogo, psicóloga ou equipa de psicólogos mais próxima... Não pratique a auto-medicação!

Manel (gordo) e Albano (médio) encontram-se sentados duas mesas à minha frente. Chega Quim Zé (magro).

Manel- Olha lá a prenda que aí vem! O alguidarista de cima dum caralho!
Quim Zé- Ó meu, tu não comeces que eu não tou com vontade de falar, ok? Fala do sol e da chuva, sei lá, caralho, fala do Cavaco!

Manel pisca o olho a Albano e riem de fininho.

Quim Zé (puxando de uma cadeira, de sobrolho franzido)- Posso?
Manel- Forcinha aí, ó meu!
Quim Zé (voltando-se para o empregado, cujo cabelo escorre e brilha do gel em excesso)- Ó pst! Três finos e três bagaços! Obrigadinho.
Albano (gargalhando para Quim Zé)- Então, meu? Não queres falar de coisas sérias?
Quim Zé- Ai o caralho! Já vos disse para me falarem do puto do sol e da puta da chuva! Então, como é que vai a famelga?
Manel (intrometendo-se)- O jogo de ontem entre o Alguidares de Cima e o Alguidares de Baixo é que foi a puta que o há-de parir, hã?
Quim Zé- Caralho já, que me estão a provocar! O árbitro é um ganda filho da puta! Prontos, caralho!
Manel- Óbe lá, mas cinco a zero, puta ca pariu!

Manel e Albano soltam uma gargalhada simultânea.

Quim Zé- Olha o caralho do caralho, que vocês os dois são uns filhos da puta duns cabrões de merda! Tava tudo comprado, caralho! Se não foram penaltes, foi como se fosse, ora o caralho da merda!
Manel- Puta que vos pariu! Mas o Zé Pintolas tava mesmo a pedir o cartão vermelho, já se tava a armar como a cona da prima!
Albano- Esse Pintolas é um cabrãozeco!
Quim Zé- Ai, é? E os putos dos golos todos que foram bater no puto do poste? Vão-me dizer que o filho de uma ganda puta do treinador não fez um puto dum bruxedo do caralho?
Albano- Caralhos te refodam, meu paneleirote do caralho! Bruxedo? E o puto do ano passado quando o caralho do juiz invalidou um golaço que a puta da malta toda viu entrar? Isso é que é ser filho da puta mais velha do caralho que o enrabe!
Manel- É isso tudo, ó meu caralho! E já te esqueceste do décimo-terceiro jogo da quinta fase da liga C, quando o Zé Pintolas espetou uma puta duma bananaça nas putas das trombas do Cantareira? E depois ainda passou o caralho do tempo todo a mandar-se ao relvado como uma menina a ver se sacava uns penaltes?
Albano- E no quinto jogo da segunda fase da puta da liga M! Também já te passou a puta da biqueirada que o Paulo Marado espetou àquele preto que joga umas coisas, o, o Ricardo Matumba? Foda-se para o ganda caralho da puta que o pariu, tás a ver?
Quim Zé- Vocês não pescam mesmo puto, seus caralhos do caralho que vos refoda! Isso foi legítima defesa! O jogo de ontem é outra merda! O paneleiro do cabrão do árbitro tava comprado! Se eu mandasse, nunca mais na puta da vida apitava um caralho dum jogo e ia passar o resto da vida para Custóias!
Manel- Óbe lá! Não topas é puto da puta da bola! Se eu quisesse ser treinador, a esta hora estava mas era como o Moutinho, que tá pra lá cheio da nota! Mas os gajos só querem amadores da puta que os pariu! Fuôda-se!
Quim Zé- Não me grises, ó caralho! Se eu mandasse, ias treinar para a quinta divisão regional da puta que te parisse!
Albano- Caralho já, fuôda-se que o filho duma ganda puta do caralho do futebol português tá todo fodido! Por isso é que o caralho do país não vai pra frente!
Quim Zé- Cala-te lá, ó panaleiro! Não sabes é a diferença entre uma bola de futebol e o tomate mais pequeno do teu tio!
Albano- Fuôda-se, meu! E tu não sabes a diferença entre a puta da baliza e a cona da tua tia!
Manel- Mil caralhos me refodam, panaleiros do caralho mais velho, que já me tá mas é a dar uma puta duma vontade do caralho de vos espetar uma filha da puta duma cabaçada a cada um, caralho!

Breve pausa meditativa.

Quim Zé- Vocês sabem qual é que é o problema do futebol português?
Albano- Diz lá, ó inteligente!
Quim Zé- Falta de nível, pá! Os gajos são uns malcriadões!
Manel- Lá isso é, caralho...

Nota final: Os nomes reais dos participantes atrás citados foram alterados por forma a preservar o anonimato dos mesmos, de acordo com as leis vigentes em Portugal e na União Europeia.


Imagem de http://images.scotsman.com.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Chuva de Espírito Santo


Um palanque com um símbolo que começa a descolar-se num dos cantos e um imenso néon por trás. Uma multidão que aguarda, imersa em burburinho. No meio da multidão, passam-se comprimidos invisíveis que todos engolem de um trago, auxiliados por copos de whisky invisíveis. Rapidamente aclamado pela multidão, um político ascende ao palanque, sacode uma pena de pavão da gravata, pigarreia e acena aos seus apoiantes, indicando que se prepara para falar. Estes, com os olhos revirados em direcção ao topo do céu, não o vêem de imediato.
-Portuguesas! - principia o político - Portugueses!
Uma chuva de palmas abate-se no salão e todos se atropelam em busca de toalhas invisíveis com que fingem secar-se. O político sinaliza-lhes para que sosseguem...
- O dia de hoje é um dia histórico!
Palmas.
- A partir de hoje, nada voltará ser como dantes!
Palmas. Palavras de ordem. O político sorri e manda-os sossegar.
- A minha vitória é de todos!
Palmas. Vivas.
- E a nossa derrota é uma vitória moral!
Mais palmas por longos instantes. Gritos. Palavras de ordem. Cantos desencontrados. O político volta-se para um enorme grupo de jornalistas que se acotovelam a um canto da sala. Um deles jaz numa poça de sangue, apunhalado por alguém, mas é pisoteado pelos restantes, quando procuram chegar-se mais perto do palanque.
- Que se passa? - pergunta o político.
Palmas. O político sorri e volta a dirigir-se aos jornalistas:
- As senhoras e os senhores da imprensa têm perguntas?
- Doutor político!... - lança um jovem praticamente imberbe, quase o atingindo no queixo com um microfone maior do que a sua cabeça.
- Sim? - interroga o político, desviando-se a tempo.
- Nada. Os nossos estúdios passaram a outro político.
- Ó, pá! Não é nada assim! Já passaram para outro e para outro e para outro! - grita-lhe outro jornalista, elevando os braços bruscamente.
- É uma roleta! Adrenalina! - exclama um terceiro esbaforidamente.
- Radical! - solta outro ainda, saltando de excitação.
- Aleluia! - gritam em coro.
- Muito bem... - concorda o político, escondendo um esgar de insatisfação.
Palmas. Palavras de ordem. Subitamente, irrompe um segundo político pela sala dentro, concentrando as câmaras desligadas sobre si. Sorri e afirma:
- Eu sei de tudo mas não sei de nada.
Palmas.
- De qualquer modo, o mundo não acaba hoje... - escuta-se uma voz no meio da multidão.
- Mas algum dia há-de acabar... - pondera outro.
- Não está provado... - acrescenta alguém.
- Mas também ninguém provou o contrário. - finaliza alguém mais.
Faz-se um minuto de silêncio meditativo. Dom Sebastião entra a trotar pela sala dentro e uma chuva de Espírito Santo abate-se sobre os presentes.
- Parece que o tempo vai piorar... - murmura o político no seu palanque.
- Felizmente que a chuva é invisível... - acrescenta o segundo político.
Palmas, risos, aleluias, cânticos e cai o pano brutalmente sobre as cabeças de todos.


Imagem de www.leestoneking.com.

Américo Santos


Soube hoje do falecimento, já no final de 2005, de Américo Santos, meu antigo professor de Teoria da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Era uma pessoa correcta, um professor excelente. Para a família e amigos, que certamente não me lerão, assim como para quem mais dele se recordar, aqui fica esta pequena nota a relembrar um ser humano digno de lembrança...

A esquerda elegeu Cavaco


Serei breve...
Cavaco Silva será nosso presidente (e não adianta dizer "não meu!", porque não corresponde a uma realidade institucional) provavelmente por 10 anos. Mais vale habituarmo-nos todos à ideia...
A quem cabe a responsabilidade deste resultado à primeira volta?
Diria eu, antes de mais ao "efeito Le Pen". Sem pretender comparar Cavaco a Le Pen, o que seria, convenhamos, desajustado, a semelhança situacional é, parece-me, óbvia. Uma direita unida em torno da figura de Cavaco, um candidato preparado, um candidato que, não tenhamos dúvidas, se andava há 10 anos a preparar para esta eleição. Do outro lado, uma esquerda em guerra consigo mesma, ridícula e dividida.
O que fez Mário Soares, o rei "O Fixe" que, de acordo com as suas hostes, "cumpriu a sua obrigação", candidatar-se a esta vergonha, fazendo simultaneamente uma campanha démodée, à base de ataques pessoais? O medo de uma gravata siciliana? Em último caso, uma certa vaidade de rei sem trono?
O que faz o trostskista demagógico Francisco Louçã (e, aqui, tenho que concordar com Pacheco Pereira no seu Abrupto) numa permanente posição de desafio a coisa nenhuma, arrastando consigo grupos de descontentes intelectualizados, pouco representativos das reais necessidades actuais de Portugal?
O que leva Jerónimo de Sousa a candidatar-se até ao fim, quando se lê com todas as letras qual será o desfecho eleitoral?
Fora deste saco, coloco Manuel Alegre, por ser consistente e verdadeiramente capaz de desafiar o sistema onde, no entanto, se insere; e Garcia Pereira, por se tratar de um candidato que defende com brilho ideias genuínas.

Parece-me também que, para além destes candidatos e das suas hostes, três culpados principais ganham visibilidade imediata... Um deles, o culpado invisível que terá forçado Soares a candidatar-se. Tudo se conhece: inclusive as urgências hospitalares das figuras públicas e os seus motivos mais directos. Um segundo, o partido desnorteado cujo Governo se tem dedicado a angariar antipatias, mais que não seja pela imposição de restrições para as quais não se anuncia o fim, sem que em consequência das mesmas se anteveja uma utilidade para o cidadão comum. Um terceiro, os votantes sobretudo de Mário Soares e Francisco Louçã. A direita fez apenas o que tinha que fazer. A esquerda elegeu Cavaco!
Os meus parabéns, portanto, às levas de revolucionários de café que elegeram Cavaco. Bom proveito para eles, para as tias e para as primas. Que o chá das cinco não lhes saiba amargo.

Dez anos de Cavaquistão. Inimigos da função pública no Governo e na presidência. Crise, crise, crise, crise - a palavra que nunca deixou de existir realmente em 32 anos de democracia! E os grandes cheios de soberba... E os portugueses amnésicos a argentinizar-se subrepticiamente...

Critica-se os Estados Unidos pela eleição de Bush Jr.? Chama-se aos Estados Unidos um país dividido? Olhe-se, então, para Portugal... Cavaco venceu com cerca de metade dos votos. Nós somos um país dividido. E não serei eu, nem vocês, a lucrar com isso.

domingo, janeiro 22, 2006

Portugueses amnésicos dominam previsões


Eu até tinha decidido não falar de política por, sinceramente, estar cheio de política e de políticos, essa classe que há 32 anos (quase 48!) nos tem sabido manter em permanente crise, vivendo simultaneamente à tripa forra. Mas, enfim, cá vai um primeiro comentário, tendo em conta o descalabro para o qual apontam as previsões...

Se tivermos mais 10 anos de Cavaquistão, se por intermédio desse mesmo Cavaquistão tivermos que aturar mais descalabros PSDs, se um dia destes nos transformarmos numa Argentina aproximada, acuso:

a) Mário Soares e as duas organizações a que pertence;

b) Os esquerdelhos que se recusaram a votar em Manuel Alegre por "ser do PS" e estarem zangados com Sócrates e o seu governo razoavelmente perdido.

A todos eles, os meus parabéns. Quanto a mim, só lamento não ter emigrado a sério quando ainda tinha idade para isso... Fuga? E depois? A fuga também faz parte da música!
Mais tarde penso vir a tecer mais um comentário ou outro. Não que adiante muito ao que afirmarão os especialistas de política dentro e fora da blogosfera. Não que adiante muito, mais que certamente, ao poço sem fundo para onde (se) empurram os portugueses...

Momento poético de meditação


Hoje é dia de presidenciais e dita a lei que é proibido dar qualquer tipo de opinião, proventura mesmo em servidores localizados fora do território nacional, sob pena de pesadas multas. Como não me chamo Mário Soares, a tal não me arriscarei...
Em lugar disso, permitam-me presentear-vos com um momento de poesia para amenizar o peso da data...



O BEIJO DE JUDAS

Aquele que escreve será traído
um dia algum leitor apontará
a palavra interdita
e o sentido escondido no sentido.
O beijo de Judas está dentro da própria escrita
e aquele que escreve está
perdido. De nada serve
dizer este é o meu vinho este é o meu pão.
O beijo de Judas vai ser dado. Quem escreve
tem uma lança apontada ao coração.

Não se perdoa a dádiva de si
a canção que se canta ou a breve tão breve
alegria de partilhar o corpo e a palavra.
Quem reparou em Getsemani
naquele que não se ria nem se dava?
Já outra vez se levantou e se deteve
alguém vai ser traído agora aqui
seu olhar te designa: Tu és aquele que escreve
e a tua própria mão aponta para ti.



in Livro do Português Errante, de Manuel Alegre, Publicações Dom Quixote.

O Master ainda procurou arduamente, para que a intenção deste post não seja entendida como contendo um sentido escondido no sentido, exemplos da lírica dos restantes candidatos às urnas. Lastimavelmente, nada foi possível encontrar!...



Imagem de www.santegidio.de.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Social-democrata (mas não PSD)


Your Score

Your scored -2 on the Moral Order axis and 2.5 on the Moral Rules axis.

Matches

The following items best match your score:

System: Socialism
Variation: Moderate Socialism
Ideologies: Social Democratism
US Parties: No match.
Presidents: Jimmy Carter (85.85%)
2004 Election Candidates: Ralph Nader (81.12%), John Kerry (79.63%), George W. Bush (54.66%)
Statistics

Of the 147604 people who took the test:

3.3% had the same score as you.
13.9% were above you on the chart.
73.6% were below you on the chart.
47.7% were to your right on the chart.
30.9% were to your left on the chart.


Via Bomba Inteligente (ver links).

terça-feira, janeiro 17, 2006

A Metamorfrase

O despertador explodiu e ele sentiu uma dor dilacerante nos ouvidos. Levou reflexamente a mão à orelha, retirou-a e viu, com espanto, que a raiavam finos riachos de sangue de onde tombou uma pequena gota na brancura do edredão. Saltou da cama num repente e veio-lhe a sensação de uma intensa queimadura. Olhou assustado para a cama onde ainda há pouco dormia um sono profundo e viu que se tinha transformado numa torradeira. Com o coração em crescendo galgando-lhe às têmporas, olhou-se no espelho e notou um corte fundo que lhe descia da orelha direita ao lábio inferior.
Vestiu apressadamente a roupa do dia anterior. Não havia já tempo para um duche, sequer para se barbear. Esperou não receber algum comentário depreciativo no escritório... Regressou ao espelho e retirou um fiapo de algodão para limpar a marca de sangue já parcialmente coagulado e notou que um corpo estranho, mole e longilíneo, lhe deslizava do ouvido interno em direcção à bochecha ainda amarrotada da almofada. Que diabo!, pensou. A custo, retirou a pequena sanguessuga que se lhe colava firmemente ao rosto. Olhou-se de novo... O cabelo surgiu-lhe exageradamente encaracolado, um novelo desgrenhado descaindo-lhe sobre o pescoço dorido. Penteou, com um custo inabitual, o cabelo inabitualmente enriçado. Uma sensação de estranheza, um remoer das entranhas começou a tomar conta de si e correu em direcção à enciclopédia médica que guardava numa estante, mas a verdade é que já não tinha tempo para leituras...
Saiu em passo apressado. Será que fechei a porta?, interrogou-se já no fundo das escadas. Saltou os degraus de volta, dois a dois, e deixou escapar um suspiro de alívio ao deparar com a porta bem fechada, fechadas as três fechaduras de segurança que a percorriam. Regressou rapidamente ao andar térreo, com a sensação de urgência crescente que a hora lhe imprimia. Nem se atreveu a olhar para o relógio. Uma estranha comichão tomava-lhe conta do corpo mas não tinha tempo para se coçar. Correu para a entrada do metro, embrenhou-se pelas húmidas passagens subterrâneas e estacou, apenas por instantes, para examinar um cão, pelado e amarelo, que dormia embrulhado numa manta castanha. Onde estaria o dono? Em todo o caso, tinha que se apressar! E a comichão crescia-lhe no corpo sem que entendesse a razão. Teria pulgas em casa? Teria comido algo fora do prazo? Tinha que se apressar...
Viajou, forçadamente rígido, ao longo dos túneis de betão que furavam as entranhas da cidade. Não fitou ninguém e ninguém o fitou, excepto um velho desdentado que, embrulhado num xaile axadrezado, lhe sorria descaradamente. Desviou o olhar. Mais um desgraçado de cabeça perdida...
De regresso ao exterior, à entrada da grande avenida, um grande Serra da Estrela desacompanhado rosnou-lhe, ameaçador. Paralisado por momentos, conseguiu esgueirar-se no preciso instante em que o animal começou a acelerar o passo na sua direcção. Estava cada vez mais atrasado! A estranha comichão adensava-se, embrulhada num imenso calor que lhe subia o corpo e desembocava no couro cabeludo, mas não tinha tempo para se coçar! Deu consigo a avançar em pequenos saltos ritmados e cada salto alongava o próximo, o que lhe inspirava uma bizarra satisfação. O horário! E o salto seguinte era maior. Procurou, no fundo dos finos bolsos do seu belo fato cinzento, o cartão de ponto. Sem ousar abrandar, tardou a encontrá-lo. Quando, enfim, o sentiu na palma da mão transpirada, percorreu-o com os dedos como se percorresse um amuleto. E o calor crescente nascia-lhe nas entranhas e fazia crescer a comichão já quase insuportável, mas não havia tempo. E saltava, saltava, saltava, inclusive, com uma certa elegância natural.
Franqueou as pesadas portas do imenso arranha-céus e correu para o elevador antes que as portas metálicas se cerrassem e assim cerrassem os rostos fechados no interior. Ajeitou cuidadosamente a gravata. Sufocava-o mas era essencial.
Saiu no último piso, picou o ponto, cinco minutos atrasado apenas e respirou fundo ao encontrar-se com a sua secretária, imersa num mar de vidro de onde se avistava o piso inteiro.
Sentou-se e ligou o computador, que vibrou imperceptivelmente ao som de uma música pré-gravada. Olhou, então, para cima e deu com o seu chefe de secção, que o encarava de braços cruzados e expressão de grande seriedade...
- Senhor Cordeiro... - disse secamente - Parece-me bem que temos que rever os seus horários.
Quis responder alguma coisa inteligente mas, por algum motivo, teve apenas o reflexo de coçar energicamente o couro cabeludo e, depois, os braços, as pernas, a barriga. Tudo lhe pareceu estranhamente fofo, lanoso, suave e encaracolado...
- Por esta, passa. - investiu o chefe, pausando pensativamente por momentos - Mas o atraso ser-lhe-á descontado no salário.
Escutaram-se as badaladas sonantes do relógio da catedral, na praça que ladeava o edifício. Desconcertado, procurou esboçar uma explicação razoável, mas apenas um soluço nervoso lhe nasceu da garganta. Insistiu, antes que o chefe se sumisse:
- Mééééééé!
Quase caiu da cadeira ao escutar-se!
- Algum problema, senhor Cordeiro? - interrogou o chefe.
De novo, procurou as palavras exactas e balbuciou:
- Mééééééé!
O chefe examinou exasperadamente o seu relógio de pulso e pareceu rosnar baixinho.
Sentiu um baque no coração, mas não foi capaz de articular palavra. O chefe voltou-lhe as costas e sumiu-se ao fundo da sala, no que lhe pareceu um momento interminável. "Mééééééé...", lamentou-se, pousando os olhos sobre o ecrã brilhante do computador. E abriu a pasta que estava dentro da pasta que estava dentro da pasta que estava dentro da pasta...


Imagem de http://griffinross.com/.

sábado, janeiro 14, 2006

É um mundo estranho...


Estava eu a tomar um pacífico café e a acender um cigarro quando alguém me disse:
- Posso?
Ergui os olhos do tampo da mesa onde tão ociosamente se alongavam, dei um par de voltas aos neurónios, semicerrei os olhos como se faz para paradoxalmente ver melhor e, por fim, respondi:
- Ah, és tu! Há que tempos! Senta-te...
O homem tremelicou imperceptível e atrapalhadamente e começou a desculpar-se:
- Mil perdões, não sei como mas confundi-o com um conhecido!...
Repus os neurónios no sítio, endireitei-me na cadeira e disse:
- Tem razão, eu é que peço desculpa. Também o confundi com um amigo!
Fitámo-nos por instantes. Finalmente, ele sorriu:
- Não faz mal. Acontece.
E voltei a pousar os olhos no tampo da mesa e na chávena de café que arrefecia rapidamente. Procurei um dos meus vários isqueiros no fundo de um dos meus vários bolsos e reparei, quando acendia o cigarro, que o homem ainda lá estava.
- Mas foi engraçado, não foi? - riu - Os dois... Confundirmo-nos assim...
- Pois foi. Há coisas...
- Pois há... Posso?
Estranha insistência. Mas acabei por lhe indicar uma cadeira. Porque não? Eis a conversa que se seguiu:

Eu (provocando o diálogo): Então? Que tal correu o dia?
Ele: Ainda bem que perguntas. Posso tratar-te por tu?
Eu: Já trataste. Porque é que ainda bem que pergunto?
Ele: Tem sido um dia estranho...
Eu: Ah?
Ele: Tem.
Eu: Estranho, como?
Ele: É complicado. E simples. Bom, nem complicado nem simples... De manhã, costumo sair da cama pelo lado esquerdo e, quando dei por mim, tinha saido pelo lado direito!
Eu: Muito bem...
Ele: Sei que, por si só, não parece ter importância. Mas a verdade é que quando abri a persiana, notei que estava um casal que mora por cima de mim no pátio. Normalmente, só lá está ele. Ou então, ela. Às vezes, não está ninguém.
Eu: Interessante...
Ele: Não é? Normalmente, nem dariam pela minha presença. Mas desta vez acenaram-me. E eu retribuí o aceno, claro. Pensei logo se não haveria algo de errado comigo e corri para o espelho.
Eu: E...?
Ele: Tinha o cabelo levantado! Para cima, em direcção ao céu! Eu, que até tenho o cabelo bastante liso, tinha-o todo levantado! Penteei-me logo.
Eu: Claro.
Ele: Depois, ao meter-me no chuveiro, não pude deixar de notar que a água estava com mais pressão do que habitualmente. Na altura, não liguei muito... Mas estás a ver o significado!
Eu: Acho que sim. Não é o mais normal...
Ele: Precisamente o que eu acho. Principalmente, tendo em conta tudo o que aconteceu depois... Em catadupa!
Eu: Em catadupa?
Ele: Em catadupa! Como o chuveiro!
Eu: Estou a ver...
Ele: Quando fui tomar o pequeno-almoço, apressadamente porque já estava atrasado, dei com a caixa dos cereais vazia. Vazia! E eu nunca me esqueço de comprar cereais!
Eu: De facto. E o que fizeste?
Ele: Já não tinha tempo para ir comprar cereais. Por isso, bebi um copo de leite e comi um pão com manteiga e queijo.
Eu: Bem visto.
Ele: Sim, mas, entendes? Leite, manteiga, queijo, tudo lacticínios!
Eu: Uma coincidência...
Ele: Pode ser... Mas eu desconfio sempre das coincidências.
Eu: Porquê?
Ele: Repara, mal saí de casa, com que é que dei de caras? Com uma vaca!
Eu: Uma vaca?
Ele: Maneira de falar... É uma vizinha que só me tem dado problemas. Uma autêntica vaca! Mas estás a ver como tudo se conjuga...
Eu: Um pouco bizarro, de facto.
Ele: Bom, enfiei-me no carro e acabei numa fila de trânsito interminável. A certa altura, consegui meter-me no lado esquerdo e vira-se para mim o condutor de trás e grita-me: "Ó boi!Tiraste a carta pelo correio?"
Eu: Isso é muito desagradável!
Ele: Pois é. Mas não liguei. O que me chamou mais a atenção foi a ligação entre a carta e o correio. Estás a ver? Como se alguém ou alguma coisa estivesse a querer comunicar comigo. Mas mais, muito mais do que isso, foi ele ter usado a palavra "boi". Estás a ver as peças do puzzle, todas a encaixarem-se? Os lacticínios, a vaca e agora o boi!
Eu: Bizarro, sim. E depois?
Ele: Cheguei ao meu local de trabalho e notei que o sol entrava em feixes pelas frinchas dos estores. Ora, normalmente os estores não estão corridos, entendes?
Eu: Ok.
Ele: Não estão, acredita. Depois, mal me sentei à secretária, tocou o telefone.
Eu: Atendeste?
Ele: Claro. Eram as testemunhas de Jeová... Queriam marcar uma entrevista comigo.
Eu: E não lhes perguntaste onde é que tinham arranjado o teu contacto?
Ele: Nem de tal me lembrei!Lembrei-me dos lacticínios e de tudo o resto, olhei para as frinchas de luz nas janelas, relacionei tudo com o telefonema e entendi, assim de repente, que Deus me pretendia comunicar algo! Senti, simultaneamente, um grande incómodo e uma imensa paz interior...
Eu: És uma pessoa religiosa?
Ele: Sou ateu.
Eu: Então?
Ele: Caramba, não se pode ignorar os sinais do Rei do Universo, Grande Pai de Tudo e de Todos, Imenso Relojoeiro Celestial, Aquele que tem Mil Nomes e cujo Nome não pode ser pronunciado, o Criador do Céu, da Terra e de Si Mesmo, tudo com maiúscula, enfim, estás a ver... Parece que quando se zanga pode ser terrível!
Eu: Mas disseste-me que eras ateu...
Ele: Mudei de ideias. Tive uma iluminação.
Eu: Ah, a janela!...
Ele: Sim. Mas não só. Nesse instante, chegou uma colega e ligou o interruptor. Não me digas que foi por acaso!
Eu: Certo... E depois?
Ele: Depois, abri o jornal e o que é que estava precisamente na página em que o abri?
Eu: Não sei. O quê?
Ele: Um artigo sobre as vacas loucas! Repara: vacas loucas, humanidade louca, o cordeiro de Deus...
Eu: Uma vaca não é um cordeiro.
Ele: Não sejas mesquinho. Pertencem todos à mesma família.
Eu: Estou a ver...
Ele: Mas não é tudo! Fui almoçar a a um restaurantezito onde vou sempre e onde costumo comer o prato do dia. O que é que achas que era o prato do dia?
Eu: O que era?
Ele: Borrego! Estás a ver a sequência de sinais? É inegável!
Eu: De facto, estranho... O borrego estava bom?
Ele: Comia-se, sabes como é nestes sítios com refeições económicas... Bom, mas o facto é que, logo de seguida, optei por não tomar café no restaurante. Foi como se algo ou alguém me guiasse os passos. Entro neste café, olho em redor, vejo que não há nenhuma mesa vaga e quem é que encontro?
Eu: A mim?
Ele: Bingo! Encontro-te a ti!
Eu: Acho que me convenceste. Nada acontece por acaso...
Ele: Incrível, não é? Acho que vou meter baixa e fazer uma peregrinação a Fátima!
Eu: É um mundo estranho...


Imagem de www.grassorganic.com.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Mundo feio!


É claro que há posts mais inspirados do que outros e que este até pode roçar o "politicamente incorrecto". Mas, que diabo, quem manda aos donos das carantonhas colocar as fronhas na net, à disposição da humanidade? E como o Gente Mesmo Mesmo Feia parece ter paralisado de há uns tempos para cá, decidimos, por uma vez, uma vezinha apenas, preencher o vácuo que vos vai na alma quando, olhando em volta, só lograis visualizar Beautiful People...





E eis, em jeito de conclusão, a solução ideal para quem for (ou para quem se sinta) feio. Não haja dúvida de que a net oferece todos os remédios...





Imagens de www.loomiesfunnies.com, www.etrom.it, http://lustich.de, http://website.lineone.net, www.lacheplaetzer.de, http://bextruthfinder.blogs.com e www.timandmary.com.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Conversa de café

Sabem que, na minha função de Repórter XKO, tenho por hábito bisbilhotar (ou aprender com) as conversas que me rodeiam. Sou uma câmara ambulante e a conversa que se segue, certamente igual a tantas e daí a sua banalidade e o seu interesse, escutei-a hoje (ia já a meio) da minha mesa de café...


Um homem e uma mulher, ambos jovens, sentados a uma mesa. Ele procura aproximar-se. Ela busca afastar-se. Parece zangada. A expressão dele revela um equilíbrio entre o zangado e o apologético.

Ele: Sabes perfeitamente que gosto de ti!
Ela (enfastiada e aparentando distracção): Sim?
Ele: Claro. Para que é que é essa ironia?
Ela (com um sorriso amarelo): Ironia?
Ele: Ou sarcasmo...
Ela (esticando o pescoço): Estás a passar das marcas!
Ele: Desculpa, mas não tornas as coisas fáceis...
Ela (cansadamente enfática): A vida não é fácil.
Ele: Pronto, pronto. Mas, afinal, o que é que se passa?
Ela: Acho que já devias ter entendido.
Ele: Entendido o quê?
Ela: Nunca entendes. Nunca entendeste e nunca vais entender.
Ele: Se te explicares, talvez entenda...
Ela: Enervas-me.
Ele: Enervo-te... Porquê?
Ela: Porquê, porquê! Queres sempre porquês! Isso enerva-me.
Ele: Bom, quando começámos a andar, combinámos que iríamos sempre discutir abertamente todos os problemas...
Ela: Lá está, andas sempre à procura de pormenorzinhos e problemas!...
Ele: Então?
Ela: As pessoas não são todas iguais.
Ele: Tenta fazer um esforço... Que é que te preocupa?
(pausa)
Ela: Andarias com uma rapariga se soubesses que tinha sido prostituta?
Ele: Hã? Er... Sim, era uma questão do passado.
Ela: Estás a arranjar desculpas. (pausa) Andarias com uma rapariga que tivesse um passado lésbico?
Ele: Se fosse lésbica, para que é que se iria interessar por mim?
Ela: Não desconverses. Andarias ou não?
Ele: Se gostasse dela... acho que sim.
Ela: Estás a arranjar desculpas. (pausa) Andarias com uma rapariga se ela dormisse com outros?
Ele: Porquê? Fizeste isso?
Ela: Não personalizes, não tem nada a ver. Sim ou não?
Ele: E eu também poderia dormir com outras?
Ela (com ar de indiferença): Tanto faz, desde que não me trouxesses doenças para casa...
Ele: Isso é um bocado insultuoso... Mas, afinal, onde é que queres chegar?
Ela: Nunca se chega a lado nenhum. Não me entendes e não fomos feitos um para o outro. Se calhar, devíamos ser só amigos...
Ele: Sempre nos demos tão bem! Não fomos feitos um para o outro como?
Ela (irritada): Bolas, não me entendes mesmo! Pareces uma gaja!
Ele: As gajas não se entendem?
Ela: Não tem nada a ver! O que te vai perder é que és muito rancoroso.
Ele: Eu? Rancoroso? Achas que estou a ser rancoroso?
Ela: As pessoas usam máscaras... És muito rancoroso.
Ele: Caramba, mas rancoroso como?
Ela: Rancoroso. Não sabes português? Enervas-me.
Ele (abanando a cabeça): Bom, eu acredito em nós... Estou aqui para resolver o que for necessário resolver...

Com uma leve tremura, o rapaz tenta dar um beijo à rapariga. Ela desvia-se e dá a face no último instante.

Ela: Esses beijinhos vão ter que acabar! E já sei como é que hei-de fazer...
Ele (ainda abalado): Como é que vais fazer o quê?
Ela (com um sorriso sardónico): Depois verás...
Ele: Verei o quê? Estás-me a fazer muito mal, sabes? Dir-se-ia que não te importas...
Ela: Tu é que te fazes mal! Mereces alguém melhor do que eu, alguém que te mereça a ti.
Ele: Bolas, mas eu gosto é de ti! Fala, que é que queres?
Ela: Acho que mereço melhor...
Ele: Então, tu é que mereces melhor. E eu sou pior, claro.
Ela: Não foi nada disso que eu disse. Não dá mais. Não dá!

Pausa. O rapaz tenta dar a mão à rapariga e ela retira-a irritadamente.

Ele: Caramba, de que é que não gostas em mim? Das minhas unhas? Queres que use um bigode recurvado? Que aprenda a dançar hip-hop?
Ela: Não me entendes e enervas-me. Não dá, pronto.
(pausa longa)
Ele (contendo a fúria e mantendo a compostura aparente): Desculpa que te diga, mas acho que um par de lambadas te assentariam bem...
Ela (erguendo-se subitamente, com a expressão alterada): Caramba, que estava a ver que nunca mais entendias! Vamos para casa!


The characters portrayed in this brief dialogue, created solely for entertainment purposes, are entirely fictional and totally devoid of any type of prejudice. The author cannot be held responsible for what anyone may do, not do, think about doing, not think about doing, becoming a member of any religion or a downright atheist as a result of having read, declined reading or anything in between, this short sample of a tentative theatrical play.



Imagem de www.bbc.co.uk.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Encontro com o Mestre Zen



Um Mestre Zen de vidas passadas, recentemente iluminado num dia em que choveu e fez sol em simultâneo, encontra-se com um discípulo, que humildemente se lhe dirige:

Discípulo: Mestre, porque devo aprender, dar o meu melhor e trabalhar diariamente, se um dia me tornarei pó da terra?
Mestre: Porque se não aprenderes ficas ignorante e tendencialmente burro e arrogante, se não deres o teu melhor é provável que dês o teu pior e se não trabalhares não terás dinheiro para gastar nos calmantes que terás de tomar para acalmar a neura que em ti se instalará, à qual os mestres sublimes chamam O Tau.
Discípulo: Mestre, mas porque me hei-de preocupar com isso se tudo pode não passar de uma imensa ilusão?
Mestre: Há tantas maneiras de medir a ilusão como formas de medir a realidade: réguas, fitas métricas, conta-quilómetros e ainda muitas outras que o teu pequeno cérebro não lograria entender. Se te partirem as pernas, os braços, as costelas e a caixa craniana com um bastão de baseball ou um taco de mini-golfe, as tuas sensações parecerão reais e nem os sonhos místicos de mil deuses hindus te convencerão do contrário.
Discípulo: Mestre, mas porque deverei eu dedicar a minha vida ao trabalho quando o vejo a si, venerável Mestre, dedicar muito do seu tempo ao lazer, além de tomar café, beber e fumar?
Mestre: Antes de mais, displicente criatura, soubesses tu um pouco de física Einsteiniana e terias a noção de que o tempo não existe, pelo que quando dedico tempo não dedico tempo. Em todo o caso, o lazer é uma prerrogativa da minha condição de Mestre... Enquanto imaginas que me entrego a um lazer inconsequente, treino, em verdade, o cérebro e a paciência para as perguntas com que me invades.
Discípulo: Mas, Mestre, e a parte do café, do álcool e do tabaco?
Mestre: Conhecesses tu, displicente criatura, um pouco de medicina e saberias que cerca de três chávenas de café diárias favorecem a saúde, enquanto que o vinho tinto é bom para o coração e o whisky se revela um excelente vasodilatador. Quanto ao tabaco, se a vida é basicamente absurda, quem és tu, displicente criatura, para pretenderes negar-me a minha quota-parte de absurdo?
Discípulo: Penso que sim...
Mestre: Ninguém te ordenou que pensasses! Prossegue...
Discípulo: Neste instante, honorável Mestre, nada mais tenho a perguntar. Demorarei várias vidas, certamente, até lograr absorver todos os conhecimentos que acabam de me ser transmitidos...
Mestre: Volta-te!

O Discípulo volta-se. O Mestre fulmina-o com uma forte chibatada.

Discípulo: Mestre!... Porque me haveis chibatado?
Mestre: Cansativa e ignorante criatura! No decurso de tão breve diálogo, chamaste-me Mestre meia-dúzia de vezes! Ignoras, então, que nenhum ser humano é digno de ser tratado por Mestre!...
Discípulo: Tens razão... Estás sempre a dar opiniões e a justificares-te. A verdade é que, hoje em dia, somos todos iguais.
Mestre: Volta-te!

O Discípulo volta-se. O Mestre fulmina-o com duas fortes chibatadas.

Discípulo: Ai! Porque me haveis chibatado novamente?
Mestre: Desrespeitaste as hierarquias! Crês tu que acaso alguém nasce Mestre de espontânea geração? Só os ignorantes, mais ignorantes do que amebas e menos realistas do que vírus, crêem realmente que somos todos iguais. Cumpre a tua obrigação de me chamares Mestre!
Discípulo: Mas... Mestre, havieis acabado de dizer...
Mestre: E eis que me chamas Mestre de novo!... És incapaz de ter uma opinião própria. Mereces que te encha de chibatadas até à próxima Lua Nova! Mas não te preocupes... Sendo que nada é real, nada sentirás.


Imagem de www.otoons.com.

domingo, janeiro 08, 2006

Médicos dão morte-macaca a Sharon


Bem podem saltar de pura alegria e passar uma semana aos pulos nas margens do Mar Vermelho (ou o que mais desejarem) todos os que se queixavam pelo facto de o primeiro-ministro israelita, Ariel Sharon, estar a morrer na sua cama, em lugar de passar para o outro lado com uma bala na cabeça (ou a tortura que cada um achasse mais bem aplicada)...
Em coma induzido desde a passada quinta-feira para recuperar de lesões cerebrais e das duas operações a que foi submetido, Sharon vai agora ser despertado pelos médicos do hospital Hadassah, onde se encontra internado.
Segundo declarações do cirurgião Jose Cohen ao Jerusalem Post, que considera as possibilidades de sobrvivência do militar/político elevadas, Sharon "não continuará a ser primeiro-ministro, mas talvez possa falar e entender o que lhe é dito".
Acho que até no inferno deve haver sítios mais quentinhos e confortáveis...


Imagens de www.mabus.biz e www.rickwisedp.com.

Lixo! E o Óscar vai para...


Vários têm sido, na blogosfera e neste início de ano, os prémios atribuídos aos melhores blogs, representando as preferências dos autores. Chorei, confesso, chorei muito e muito sentidamente, ao verificar que ninguém se lembrou de atribuir prémios e nem sequer menções honrosas ao It Takes Two. Mas a vida é para a frente... Sequei as lágrimas e, para marcar uma posição de maior originalidade, decidi atribuir também um prémio - um único, exclusividade única! - não a um blog, não a dois, não a três, mas sim a uma cidade, na qual, por acaso, até cresci...

Prémio Cidade Mais Porca e Câmara Mais Inútil - Cidade do Porto.

É verdade e como o lamento... Faro, segue o Porto de perto mas é algo diferente. É que, na cidade do Porto, onde hoje apenas persistem e subsistem cidadãos seniores, habitantes de bairros camarários e de ilhas, ricalhaços em zonas "consideradas privilegiadas" e bairristas empedernidos, é muito difícil dar-se dois passos sem se calcar cocó canino.
Facto: o Porto sempre foi muito porco. Mas acho extremamente triste que o actual presidente da câmara, o mediático Rui Rio, não consiga dedicar umas verbazitas obrigatórias da sua apertada bolsa para colocar uns quantos funcionários a tratar de não deixar o lixo e a merda (palavra tão forte!) acumularem-se como numa favela ultra-favelada em plena autogestão. Claro que Rui Rio não será o único culpado, visto que não me lembro de praticamente ninguém alguma vez ter tido a ideia genial de que a segunda cidade do país talvez tivesse obrigação de ser, pelo menos, razoavelmente limpa. Mas não nos podemos estar sempre a desculpar com 48 anos de fascismo nem com gestões anteriores. Pessoalmente, acho que o cocó de cão a rodos é sujo, embora reconheça que, em tempo de democracia e crise, possa haver quem não concorde...


Imagem de http://sorrisosebocas.blogs.sapo.pt/.

sábado, janeiro 07, 2006

Histórias de lobos e ovelhas


Um prado verdejante rodeado de pequenos montes. Vê-se o azul do oceano na distância. Aqui e ali, pululam como cogumelos pequenas aglomerações bizarras onde conglomerados de tábuas se misturam com montes de azulejos de todas as cores e paralelepípedos altos de vários quilómetros. Fazemos zoom sobre duas ovelhas ociosamente encostadas a um automóvel brilhante de óptimo aspecto. Enquanto uma faz na meia, a outra faz que faz…

Primeira ovelha – É para o que estamos…
Segunda ovelha – Portantos...
Primeira ovelha – Vistes o último episódio da novela?
Segunda ovelha – Qual delas? A que se passa no quartel, a dos coqueiros ou a do sexo problemático adolescente?
Primeira ovelha – Prontos! Lá te estás tu a armar em sabichona! Não achas isso um bocado arrogante?
Segunda ovelha – Não sei. Já não se pode confiar em ninguém. Muito menos em ovelhas. E o futebol também já esteve melhor...
Primeira ovelha – A culpa é toda dos lobos.
Segunda ovelha – Por falar nisso, vais votar no Brutamontes ou no chefe da alcateia?
Primeira ovelha – O voto é secreto… (pausa) Vou votar no que se ri muito. Depois é que vamos poder comprar montes de tesouras de poda.

Passa uma terceira ovelha, que quase não se vê de tão rápido o seu trote. Vem carregada de papéis e deixa cair alguns pelo caminho. De súbito, faz meia-volta e dirige-se às ovelhas ociosas com uma expressão carregada.

Terceira ovelha – Então? Não se faz nada? Não é assim que vamos para a frente!
Primeira ovelha, ofendida – Não se faz nada? Onde é que íamos parar se toda a gente parasse de fazer na meia?
Segunda ovelha, agastada – Por acaso, sabes quanto é que gasto só em aspirinas?
Terceira ovelha, forçando um ar cansadíssimo – Bom, bom… Quem me dera ser eu a avaliar-vos! Tenho que ir, tenho montes de papéis para preencher. Tenho que ir à luta! O que precisamos é de novas mentalidades e de um lobo a cada esquina… Por falar nisso, façam qualquer coisa que os lobos vêm aí!

Desaparece numa nuvem de poeira, deixando a descoberto pedaços de terra queimada e largando mais uns quantos papéis pelo caminho.

Primeira ovelha – Ouvistes? Vêm aí os lobos… Toca a fazer que fazemos, senão estamos feitas!
Segunda ovelha, com um esgar de nojo – Vistes a arrogância daquela gaja? Há ovelhas que ficam malucas com o poder!
Primeira ovelha – Hipócrita! Cá se fazem, cá se pagam!
Segunda ovelha – Já tomastes o mata-bicho?
Primeira ovelha – Não e não me ofereças cigarros que não tenho que ser obrigada a respirar o teu fumo!
Segunda ovelha, recostando-se contra o capot – Não se pode confiar em ninguém e muito menos em ovelhas… (subitamente atenta) Atenção, que vem aí o senhor lobo!

Chega o lobo, ainda meio tonto depois de uma patuscada com outros lobos…

Lobo – Então? Não se faz nada? É para isso que vos pago?
Primeira ovelha – Não, senhor lobo… (começa a fazer que faz)
Segunda ovelha, fingindo-se concentrada em alguma tarefa importante – A verdade é que há seis meses que não nos paga…
Lobo, pigarreando – Bom, já vos disse, a crise está instalada, a situação está difícil, para a semana prometo que vos pago, tudo depende de como as coisas correrem no casino… (voltando-se, com um ar severo, para as ovelhas) Vá, temos que solucionar a crise. Sentem-se, vamos fazer uma reunião.

Todos se sentam, simultaneamente irritados por terem de se reunir e aliviados por pararem de fazer que fazem.

Lobo – Muito bem. Dêem-me a vossa lã!
Primeira ovelha – A lã? Mas é que eu tenho muito frio!
Segunda ovelha – E eu, sem lã fico tosquiada!
Lobo – Vá, vá! É dos carecas que elas gostam mais! Temos que solucionar a crise ou não?
Ovelhas em simultâneo, dando a lã ao lobo – De facto…
Lobo – Bom trabalho! Podia ser melhor, mas bom, ainda assim. Só que a crise ainda subsiste. (pausa e finge raciocinar) Dêem-me as vossas patas!
Primeira ovelha – As patas? Mas sem patas demoro mais a chegar ao prado!
Segunda ovelha – E eu, sem patas não consigo fazer na meia!
Lobo – Vá, vá! Todos temos que fazer sacrifícios! Eu próprio… Temos que solucionar a crise ou não?
Ovelhas em simultâneo, estendendo as patas ao lobo – De facto…
Lobo, coçando o queixo – Muito bem. Mas a crise ainda subsiste. (finge pensar mais um pouco) Dêem-me os vossos olhos!
Primeira ovelha – Os olhos? Mas sem olhos não consigo ver televisão!
Segunda ovelha – E eu, sem olhos como é que posso ver o suficiente para fazer na meia?
Lobo – Um pouco de seriedade e eficiência, se faz favor! Façam o favor de me dar também as vossas línguas e os vossos ouvidos!
Ovelhas em simultâneo, chocadíssimas – E promete que nos paga para a semana?
Lobo, com um ar ultrajado – Já alguma vez vos faltei com a minha palavra de lobo? Na pradaria que fica além do oceano, as pessoas só têm uma semana de férias! O que é preciso é uma nova atitude! E, além do mais, hoje em dia temos que ser polivalentes! Vistam a camisola! Acredito que o nosso prado pode vencer!
Ovelhas, entre si – Parece ter razão…

Entregam as línguas e os ouvidos ao lobo.

Lobo – Bom, bom… E agora, toca a trabalhar, que é para o bem de todos! (fitando, com ar de espanto, as ovelhas inertes e esparramadas sobre o chão) Então? Não trabalham? Não fazem nada? Olhem para mim, não me fiz em dois dias e não exijo a ninguém o que não exigiria a mim mesmo! Não sou lobo para ir à casa de banho durante o horário de trabalho… Por exemplo…

As ovelhas mantêm-se absolutamente inertes, coladas ao relvado, junto ao automóvel.

Lobo, após um breve instante pensativo – Parece que não aguentaram o ritmo. Não, não é assim que vamos para a frente! Acho que só me resta pegar nas carcaças e levá-las para a Dona Loba. Pelo menos, sempre servirão para o jantar…

Uma quarta ovelha passa a uma curta distância. O lobo interpela-a.

Lobo – Ei, tu! Queres ganhar dois euros?
Quarta ovelha, aproximando-se – Que é que tenho que fazer, senhor doutor Lobo?
Lobo – Estou muito cansado de tanto trabalhar… Só tens que me trazer estas carcaças até à minha toca. Parece-te bem?
Quarta ovelha, sorrindo – Muito bem, senhor doutor Lobo. (para nós, que lemos este blog) Hipócrita arrogante, explorador!
Lobo – Que disseste?
Quarta ovelha, com uma vénia – Disse que sim senhor.
Lobo – Pois olha que tens razão. És uma ovelha inteligente. Tens o 9º ano? Se quiseres, podes vir trabalhar para mim, pago todas as semanas. Claro que não terás tempo para estudares à noite... Sabes, o problema deste prado é que todos querem um emprego mas ninguém quer um trabalho…

Afastam-se em direcção à toca, a ovelha carregando vagarosamente as carcaças (porque espera ser paga à hora) e o lobo dissertando sobre o grandioso futuro que ainda há-de chegar ao prado.



Imagem de www.theage.com.au.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Do "fascista" Cardia à "liberdade" actual


Estava por cá a lembrar-me de quando estudei no António Nobre (isto, depois de dois anos no caótico D. Manuel/Rodrigues de Freitas/Amílcar Cabral) e que, por esse tempo, Sottomayor Cardia foi ministro da Educação...
Cardia, naturalmente, como todos os ministros da Educação, decidiu que tinha que deixar a sua marca - uns deixam marcas, outros cicatrizes, outros feridas abertas e outros ainda nem se entende bem o que deixam - e encontrou uma forma, "fascista" na altura, de o fazer... Até aí, as escolas não estavam necessariamente muradas, fechadas ao exterior. Pois bem, Cardia decidiu que se deveria construir muros à volta das escolas.
"Fascista Cardia!", "Querem fechar-nos em gaiolas!", clamou-se. Os estudantes não gostaram e as manifestações sucederam-se. No final, construiram-se muros em redor das escolas, claro está. E já ninguém se lembra disso.




Na foto do lado, assistimos a uma americanice, dir-me-ão. Mas para lá caminhamos... Para já, nas escolas portuguesas os alunos não têm liberdade de entrar e sair como muito bem entenderem. Faz-me pensar um pouco naquele filme em que há um miúdo que, devido à sua doença, vive a vida inteira dentro de uma bolha esterilizada... Na minha escola, há umas maquinazitas à entrada e para se entrar ou sair torna-se necessário passar um cartão com banda magnética que, regra geral, é necessário passar meia-dúzia de vezes antes de funcionar. Ideal, sobretudo para os dias de chuva.
Recordo-me também que no meu longínquo tempo íamos a pé para a escola ou de eléctrico ou de autocarro, enfim, os nossos pais irem-nos levar e buscar era coisa ocasional. Hoje já não é assim. As "crianças" estão impreparadas para se moverem num mundo onde os "maus" são mesmo muito maus e dedicam os seus dias vis sorrateiramente aguardando em cada canto e cada esquina. Claro que não é isso que impede os roubos de telemóveis e as agressões fora da escola - que, actualmente, fazer um arranhão dentro da escola é motivo para investigação aprofundada e intervenção urgente da psicóloga de serviço. "Hoje em dia, o mundo já não é o que era", justifica a generalidade dos portugueses. E não deixo de raciocinar que são os medos os principais causadores das situações que eventualmente não existiriam sem eles...
Bom, tudo isto, depois de já ter falado um pouco sobre o que foi Portugal no imediato pós-25 de Abril, dá-me uma certa vontade de falar no que foi o pós-pós-25 de Abril... Que também tem que se lhe diga. Mas ficará para mais tarde...



Imagens de http://tocolante.blogspot.com/ e www.recoversecurity.com.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Big Brother is REALLY watching us!


Pois bem, o que estão aqui a fazer estas duas imagens de envelopes rasgados?
Trata-se de um cartão de boas festas que me chegou de uma amiga em Inglaterra e que vinha assim mesmo: rasgado e mal colado com fita-cola.
Também este Natal, recebi na minha morada um outro cartão de Natal, mas desta feita para a minha ex-mulher, também ele despudoradamente aberto. Nesse caso, nem sequer se tinham dado ao trabalho imenso de lá colar uma fita-cola manhiça.
E já anteriormente cá se recebeu uma embalagem vinda de uma amiga norte-americana, igualmente aberta e sem qualquer tipo de explicação.
Some-se a isto que acabo de receber de volta um email que enviei já há tempos, também para uma amiga em Inglaterra, com a indicação de que o mesmo tinha sido rejeitado. Mas rejeitado por quem, uma vez que não foi rejeitado pela destinatária?
Nos correios ninguém se responsabiliza nem ninguém sabe de nada. Quanto à internet, nem falar, porque dá a sensação de que se trata de algo em que ninguém manda, se bem que todos saibamos que andam por aí umas sombras de gajos e gajas paranóides (e possivelmente treinados para serem paranóides, mas sem a indicação de que a paranóia pode requerer tratamento médico, muito especialmente quando interfere com a vida de cidadãos cumpridores e metidos nas suas vidas)...

Big Brother is Watching You deixou há tempos de ser uma mera frase de um livro para se tornar uma realidade muito séria. Que o digam todos os que são alvo de escutas telefónicas ilegais, sendo que no final não se passou nada e é tudo boa gente.
Fico espantadíssimo, sobretudo, com a incompetência espantosa dos homens, mulheres e seus chefes em gabinetes confortáveis, que, totalmente incapazes de prevenir actos terroristas e sequer de comprender onde se escondem os terroristas, assim decidem calmamente abusar dos poderes que arranjaram algures e remexer na vida privada dos cidadãos, mais que não seja para justificar os salários que lhes pagamos para não fazerem nada de concretamente positivo. Faz-me lembrar um pouco (com o respeito que tenho pela polícia enquanto instituição, estando perfeitamente consciente de que os agentes da lei são maltratados pelo Estado) o modo como as forças policiais geralmente optam por se afastar dos tiroteios antes que os mesmos acabem ou estejam a terminar, mas se dedicam a multar automóveis junto a parquímetros porque, possivelmente, ultrapassaram em cinco ou dez minutos o tempo que tinham abusivamente pago. Assim se deixam os "maus" continuar a agir em liberdade, rindo às gargalhadas, enquanto se enchem os bolsos dos exploradores feudais incompetentes que nos governam.

Quanto à história do Big Brother, a história inicial deste artigo, no fim de contas, devo apenas dizer ao SIS, ao MI5 ou 6 ou lá o que é, à CIA, à Mossad, aos russos que nem sei como é que se chamam e aos outros todos que em todo o mundo prolongam a infância brincando aos espiões, que tenho a vida demasiadamente ocupada e já não tenho idade nem idealismo suficientes para andar a brincar aos terroristas. O mesmo é válido mesmo para os borregos que, encontrando a sua vida privada devassada por seres humanos possivelmente muito piores do que eles, optam por dizer coisas como "É verdade que o mundo já não é o que era..." Façam o vosso trabalho, porque da forma como o estão a fazer, ele cheira terrivelmente mal!

Estacionamento à Portuguesa!


O texto vem no meio das fotos precisamente para dar um ar mais ensanduichado. Todos conhecemos a situação de gingeira: ou muita gente se está completamente nas tintas para que os outros possam ou não estacionar, ou então compraram a carta, hipótese que não é de omitir, uma vez que também todos já ouvimos histórias de gente que pagou para ter a carta (ou há entre vocês quem o tenha feito e prefiro nem conhecer os pormenores!). Suponho que estacionar um veículo dentro do espaço que lhe está destinado deve ser mais difícil do que criar uma fórmula matemática inovadora... Os exemplos poderiam ser muito mais flagrantes, porque o são de facto, vezes sem conta, diariamente, mas foi o que se arranjou durante um pequeno passeio pelo parque de estacionamento do Jumbo. Enjoy!