It takes two to tango

Quantas vezes a vida não parece mais estranha do que a ficção? Isso é porque toda a ficção se inspira directamente na vida! É porque somos todos medricas que costumamos optar pela ficção. Só que este blog vai optar pela vida... ou algo assim...

sábado, dezembro 31, 2005

Desejos de bom Ano Novo



Desejos de um excelente 2006 para todos vós!



Um obrigado pela vossa presença desde que, em Agosto passado, me decidi a embarcar nesta nau blogoceânica! Espero poder continuar a contar convosco... Por mim, tudo farei para que continuem a contar comigo. E que, no fim de 2006, todos possamos olhar retrospectivamente para o que ainda será esse novo ano e comentar "valeu a pena!". Abraços amigos do Master.




Imagens de www.digi-hound.com e www.urban75.org.

Chamem-me cota!


Toda a gente sabe que a TV portuguesa é especialmente destinada a desocupados, desmiolados e desacompanhados, mais alguns curiosos e outros tantos distraídos. E que neste campeonato sem estribeiras, há um canal (o da igreja, LOL) que os bate a todos e os deixa a milhas de distância. Para quê falar de concursos imbecis quando todos sabemos que são imbecis e que imbecis é um suave eufemismo? Para quê falarmos de "jornalistas" tipo Manelita, que não permitem aos seus entrevistados exprimirem-se? Para quê falar da podridão de uma certa sociedade de Cascais que pretende impingir ao país inteiro modos de estar e de ser quando as suas próprias incongruências são, no mínimo, conducentes ao suicídio? Não vale mesmo a pena... Eu não vejo televisão (tempos houve em que não me imaginaria a afirmá-lo, assim, como um resistente romântico, face à intempérie, no cimo da escarpa enquanto o oceano ruge) e tenho muito mais sobre que escrever do que essa mediocridade atroz que carneiriza o nosso povo ao mesmo tempo que se fazem discursos imberbes sobre exigência e educação.

Confesso, no entanto, dei, este Natal, ao meu filho de sete anos, um CD dos D'Zert. Porque não acho que em si sejam perniciosos e porque as prendas se devem destinar a quem se destinam. Os D'Zert não são mais do que um amodernado produto pop à la Tozé Brito. Por si só não acrescentam caos ao caos.

Mas que dizer dos Morangos com Açúcar, essa xaropada quarto-mundista que actualmente põe os nossos putos, púberes e adolescentes a vibrar? Bom, eu gosto sempre de conhecer a razão dos fenómenos... E acho que começo a compreender em que espécie de pantanal se move essa coisa que a TVI, sem pingo de responsabilidade cívica ou meramente humana, se digna transmitir diariamente às sete da noite, quando a garotada já terminou a escola. Hoje mesmo, estava eu aqui a ler um livro (felizmente, depois de ter influenciado o Alexandre a fazer uma experiência poética própria para a sua idade e de o ter ajudado e entusiasmado numa experiência feita de guaches para a escola), quando começo a ouvir:
- Sexo! Sexo! Sexo! Sexo!
Parece que as personagens do McA se despem, fazem montes de sexo e se beijam no pipi e mais não sei o quê.
Fiquei, então, a saber mais umas coisas sobre a série:
- O Tupac (acho que é um dos boys dos D'Zert) esfaqueou a Madalena ou a Mariana ou coisa que a valha, mas não lhe aconteceu nada porque não foi descoberto;
- Não sei mais quem, foi raptado e parece que há vários raptos por lá;
- Os miúdos querem saber como são as drogas, nomeadamente aquelas que, nas festas, se deitam em copos alheios para conseguir sexo.

Sem querer parecer uma dama da Liga da Moral e dos Bons Costumes, algo me cheira muito mal nisto tudo. Alguns miúdos têm quem fale com eles e possua um mínimo de bom senso. E os restantes, a maioria imensa, os borreguinhos todos? Quem se responsabiliza por eles? A TVI?
Dá-me vontade de rir quando ouço os detractores dos inocentes e, à sua maneira, educativos, videojogos. Dá-me vontade de rir porque a realidade, e disso os McA são o exemplo mais-que-perfeito, é que a televisão ainda continua a ser pelo menos cem vezes mais envenenadora de mentes do que qualquer videojogo que já tenham inventado ou ainda possam vir a inventar.
Correndo o risco, também, de parecer, eu que tão liberal e anarquista gosto de me declarar, um pároco severo no seu sermão dominical, acuso aqui as televisões privadas, dominadas por uma sociedade em que estão na moda as orgias de coca e os amantes masculinos para homens, de estarem a contribuir decididamente para o fim definitivo de Portugal, para não dizer do Ocidente (se juntarmos à TVI as outras TVIs todas que existem por esse mundo fora). Não me parece bem... E seria bom que muita gente, em lugar de se alhear, fizesse chegar a sei-lá-bem-quem-que-regula-estas-coisas (porque é muito possível que ninguém regule estas coisas num país onde não podemos dar dois passos sem receber um olhar de censura e pagar uma multa) a preocupação dos pais e mães portugueses dignos desse nome diante de tanta idiotice - mas muito pior, tanta idiotice altamente perniciosa.
Disse. Quem não concordar, que vá deitar uma droga qualquer num copo alheio ou apunhalar a Madalena!


Imagem original de http://teatrometragem.no.sapo.pt.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Romanices

Não sei bem porquê, o comum dos mortais tem a mania de achar que o século XX (e o actual) são o cúmulo dos cúmulos das atrocidades e idiotices atrozes dos déspotas. A verdade, no entanto, é que os antepassados sempre foram muitíssimo mais especialistas em sanguinolências e surrealismos variados. Recordemos só um pouquinho algumas histórias da história de Roma, geralmente considerada tão civilizada e avançada por muitos historiadores...


Calígula (37 a 41 d.C.) costumava divertir-se assistindo a sessões de tortura enquanto comia. Sobejamente conhecido por ter feito de um burro ministro (burro no sentido literal), era peludo como uma cabra, assim tipo Tony Ramos, pelo menos... Quem pronunciasse a palavra cabra na sua presença podia encomendar a alma aos deuses da Antiguidade.

Nero (54 a 68 d.C.) ganhou as Olimpíadas de 67 d.C. apesar de ter caído da sua quadriga. "Teria ganho se não tivesse caído", afirmou o júri. Estão a entender... Este imperador, que se considerava um deus e mandava atirar aos esgotos quem não o tratasse por deus, considerava-se um excelente artista e cantava e actuava durante horas e horas (um pouco à maneira dos discursos do Fidel), mas ninguém ousava abandonar a plateia. Salvo que, nas palavras do cronista Suetónio (que, por acaso,não gostava muito do imperador), havia quem optasse por se fingir morto para ser carregado do teatro para fora.

Vitélio (69 d.C.) era o rei dos glutões. Passava o dia a comer e tinha por hábito fazer cócegas com uma pluma no fundo da garganta até vomitar. Assim, poderia continuar a comer.

Domiciano (81 a 96 d.C.) detestava o facto de ser careca. Certa vez, tendo ordenado que lhe pintassem o retrato, o artista, muito comprensivelmente, mostrou-o com cabelos longos e soltos.

Cómodo (180 a 192 d.C.) adorava fazer-se passar por gladiador, embora só lutasse com armas embotadas e contras opositores fracos. De acordo com Dio Cássio, certa vez reuniu todos os homens da cidade que tinham perdido os pés por doença ou por acidente, atou-lhes os joelhos, deu-lhes esponjas para atirar em lugar de pedras e matou-os à mocada, fingindo que se tratava de gigantes. Por outro lado, os jogos no Coliseu assumiram uma dimensão perfeitamente nova e interactiva quando da sua governação... Várias vezes, o imperador escolheu meros espectadores à sorte e lhes ordenou que fossem combater para a arena.

Constantino (306 a 337 d.C.), conhecido por ter transformado o cristianismo na religião oficial de Roma (isto, depois de se ter entretido a matar um bom número de cristãos anteriormente), inventou um novo tipo de execução em que a vítima era primeiramente amarrada a um poste, de seguida abriam-lhe bem a boca e finalmente lhe deitavam chumbo quente pela garganta abaixo (um pouco à maneira dos fabricantes de foie gras). Se não morresse queimado, pelo menos morreria envenenado...

Tudo isto nos chega, claro está, através dos escritos de cidadãos romanos que poderiam muito bem ser (e muitas vezes eram) da oposição. Ainda assim, escrever crónicas não era, na época, das actividades mais seguras... Domiciano mandou executar Hermógenes de Tarso por um livro de história que escreveu. Mas Domiciano não se satisfez com a execução do responsável: os escribas que tinham copiado o livro foram também, todos eles, parar à cruz. E que não se queixem os papparazzi e jornalistas pop da actualidade...

Dados recolhidos de História Horrível - Os Romanos Sanguinários, de Terry Deary, publicado em Portugal pela Europa-América e no original pela Scholastic Ltd.
Imagem de
www.romanempire.net.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Cinco mil

Acabei de notar que passámos a fasquia dos cinco mil visitantes! Nada mau para quatro meses e pouquito... Não é o primeiro lugar do Top Ten, mas não está mal e agrada. Parabéns a todos nós!


Já agora e à guisa de comemoração, gostaria de vos convidar a enviarem-me um textozinho sobre a temática que entenderem e o melhor será aqui publicado, sem demérito para os restantes, que isto das escolhas é sempre muito subjectivo. Pode ser? À vossa espera fico.

Imagem de http://thepassionatecook.typepad.com.

domingo, dezembro 25, 2005

Citações do dia



O orgulho torna-nos artificiais. A humildade torna-nos reais. - Thomas Merton

A ortodoxia é a teimosia do mundo do pensamento. Nem aprende nem consegue esquecer. - Aldous Huxley

O respeito por nós mesmos guia a nossa moral. O respeito pelos outros guia a nossa boa educação. - Lawrence Sterne

Um clérigo disse-nos certa vez: "O ciúme é uma coisa má. Mas devo confessar que chego a sentir ciúmes dos artistas, porque se encontram mais próximos da criação". - Gilbert e George

Há uma doença pior do que a cegueira: ver o que não existe. - Thomas Hardy

Ninguém pode apreciar a realidade humana enquanto persistir na alucinação adolescente de que as pessoas têm o destino que merecem. - Nicholas Rescher

O preconceito, que vê o que lhe apetece, não consegue ver o que é óbvio. - Aubrey T. de Vere



Citações de http://en.thinkexist.com, www.brainyquote.com, http://quotation.about.com, www.fortliberty.org e www.zaadz.com
Imagem de
http://home.att.net.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Lista de convidados para acontecimento do ano!


Pois é. Ontem, o Master fez anos. A celebração foi boa, obrigado. E hoje vai transformar este blog temporariamente num daqueles blogs pessoais, revelando publicamente (atenção, papparazzi!) a lista alfabética dos convidados para o jantar que não fez por ter achado que era gente e confusão a mais num só restaurante. Talvez para o ano...
Que me desculpe alguém que eu possa ter esquecido. De qualquer forma, haveria mais gente candidata ao jantar e que certamente saberá quem é. Aliás, estão todos no meu coração e até me lembro de em tempos ter tido uma música que se chamava precisamente Gente no Meu Coração (basicamente à la Bowie), a qual era razoavelmente apreciada. Outros, estão demasiado longe ou indisponíveis. Mas podem acrescentar à lista que se segue os nomes das minhas amigas Nicole Kidman e, eventualmente, Angelina Jolie, que de certeza fretariam um avião para não chegarem um minuto atrasadas à festança:

Amélia; Ana Maia; Carlos; Catarina; Celeste e Alexandre; Domingos Mateus; Eduardo (a quem desejo as melhoras rápidas); Elói (se conseguisse arranjar um tempito, eheheh); Fátima Guimarães; Fernanda; Fernando, Olga, Daniela e Cila; Filomena, Beto, Simão e Margarida; Grifo e Dulce; Hélène; Hernâni e Aurora (a quem desejo as melhoras rápidas); João, Nani, Gui e Ana; Luísa; Luís Stoffel; Manuela Saavedra; Mário Mineiro; Milú; Né; Paulo Maia, Cuca e os seus três filhotes; Paulo Pessanha; Pedro (o famoso POS); Rosário; Sandra; São (que nunca entendi porque é que não se escreve "Ção"), Manel e Pedro; Sílvia e Fernando; Sónia e Cláudio; Vítor.

Todos eles e mais alguns podem considerar-se teoricamente convidados para o meu aniversário. A todos um bom Nata-a-a-a-a-al, a todos um bom Nata-a-al, que seja um bom Nata-a-al, para todos nós!


Imagem de www.poster.de (tela de Bogaevskaia O. B.).

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Lol!


Hello! Peço desculpa de, uma vez mais, ir buscar estas curiosidades ao Público, mas a verdade é que o Público não tem de se chatear com isso, uma vez que tal significa que o Master lê (de vez em quando) o Público...

Notícias natalícias pelo mundo fora:

Parece que o bonacheirão Pai Natal (que as crianças gostariam de trucidar como parece que fazem às Barbies, só que se arriscavam a ficar sem presentes, o que seria dramático e Barbies há uma em cada esquina) está a ceder ao Dark Side... Em Ludwigshagen (que é como quem diz em Freixo de Espada à Cinta), na Alemanha, o santo assaltou uma loja de mobílias, prendeu as empregadas no cofre e pirou-se com os euros no saco. Deve ser um problema do país que nos deu o novo Papa, aliás... Também por lá, um outro Pai Natal assaltou um total de quatro bancos de metralhadora em riste, tendo arrecadado a soma de 500 mil euros. Quando o descobriram, concluiram igualmente que a arma era de brinquedo, totalmente apropriada à personagem, portanto... Lol.

Entretanto, na Hungria, país do ex-bloco bolchevique, um democrático cidadão apresentou queixa à polícia local de que uma dada loja tinha estrelas vermelhas entre as suas decorações de Natal. Alguns agentes da lei devem ter torcido o nariz, outros devem ter lol, outros devem ter suspirado profundamente, outros ainda devem ter passado o caso ao colega da secretária mais próxima... Palavra do porta-voz policial: As estrelas vermelhas da loja têm forma irregular e as suas pontas não são bicudas, mas arredondadas, portanto não violam a lei. Lol.

E também por cá temos quem persista em não entender o espírito de Natal (ou qualquer espírito que seja, já agora)... Quando lia estas notícias, no café que mo cede de borla, claro está, ri-me e exclamei: 'Tá demais! Ora, uma gaja que estava a conversar com uma rapariga sua conhecida numa mesa próxima, fixou-me de imediato com um ar reprovador que nunca vem a propósito de coisa nenhuma. Com a minha experiência cada vez mais aperfeiçoada de muitas luas a olhar os outros directamente nos olhos até que acabem por se sentir perfeitos idiotas (quando é caso para isso, porque o significado varia), olhei-a também em linha rectíssima (e ela provavelmente convencida de que eu acabaria por desviar o olhar - lol), até que a gaja acabou por desistir, abissalmente derrotada pela minha personalidade fortíssima. Deves ter algum problema!, disse-lhe ainda, para que se entendesse quem mandava ali. E assim se vive o verdadeiro espírito da época... Feliz Natal, lol!


Imagem de http://sidesalad.net.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Campos por Negreiros


Perguntaram-me por que motivo, na breve compilação Arre! Palavra de Álvaro de Campos, alguns posts atrás, optei por publicar várias fotos de Pessoa e népias de Álvaro de Campos. E a verdade é que existe este retrato de Campos, parte de um mural de Almada Negreiros que poderão observar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa...

Bom, antes de mais, Álvaro de Campos nunca existiu, sendo que qualquer heterónimo que faça sentido constitui uma ficção do poeta real e não uma criação mágica e genial de "mentes brilhantes" (doentes).
Para além disso, este mural data de 1958, data em que, pelo menos tanto quanto se sabe, já há muito Álvaro de Campos e o seu criador se encontravam definitivamente encerrados intra-muros.

Aqui fica, no entanto, o retrato do celebrado engenheiro naval...

We wish you a merry Xmas!

Esta árvore de Natal USB, para além da sua utilização mais óbvia, acende-se em luzinhas, lança neve artificial em seu redor e ainda toca quatro conhecidas canções de Natal! Melhor do que os Pais Natal que este ano ficaram pendurados em montes de varandas. Trata-se de um produto japonês, claro...
Encontrei-o em http://us.gizmodo.com - The gadget weblog.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Garcia Pereira é candidato. Sabiam?



Começa a tornar-se estupidificante a atitude dos media em ostracizar completamente o candidato Garcia Pereira. Já nem falo da atitude dos canais televisivos de não incluir o candidato nos "debates" (as aspas são propositadas)... Toda a gente sabe que da TV não se pode esperar nada de edificante. Falo, sim, dos media, os media de modo global. Em resultado, experimentem perguntar às pessoas o que acham da candidatura de Garcia Pereira e verão quanta, mas quanta gente se admirará com o facto de sequer ele ser candidato!

O It Takes Two não pretende seguir essa leva de carneirada demagógica que nos anda a comer todos todos os prados e todos os pastos. Então, como informação útil, aqui vai: http://garcia-pereira-a-presidente.blogspot.com/ - visitem, nem que seja para contrariar os que se julgam donos de Portugal.

Joaquim Vieira despedido e Grande Reportagem vai ao ar


O jornalista Joaquim Vieira, ex-número dois do Expresso e, mais recentemente, director da Grande Reportagem, detida pelo grupo Controlinveste e publicada semanalmente com o Jornal de Notícias e com o Diário de Notícias, acaba de ser sumariamente despedido. Segundo sabemos, a revista também vai deixar de surgir nas bancas, embora não tenham sido adiantadas razões para tal.
Recorde-se que Vieira tem vindo a escrever uma série de artigos globalmente denominados O Polvo, nos quais se tem referido a um polémico livro de Rui Mateus, que no mesmo aborda eventuais ligações do PS do candidato Mário Soares ao caso Emáudio.
Não deixa de ser curioso. Claro que a imprensa livre é algo que só existe, todos o sabemos, em filmes norte-americanos...

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Arre! Palavra de Álvaro de Campos.

Não me perguntem a razão (porque não saberia responder), mas este é o meu poema preferido de Álvaro de Campos...

O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó---óóóóóóóóó---óóóóóóóóóóóóóóó

(O vento lá fora).

Uma curiosidade:



A FERNANDO PESSOA

Depois de ler o seu drama estático "O Marinheiro" em "Orpheu I"

Depois de doze minutos
Do seu drama O Marinheiro,
Em que os mais ágeis e astutos
Se sentem com sono e brutos,
E de sentido nem cheiro,
Diz uma das veladoras
Com langorosa magia:

De eterno e belo há apenas o sonho.
Porque estamos nós falando ainda?

Ora isso mesmo é que eu ia
Perguntar a essas senhoras...

Seguidamente, uma conhecida lamentação revoltosa e campiana:


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E recìprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juíz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doeça incurável,
Não ser sedento da justiça ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter de pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontce a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão.

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!

Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma; sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.

E, como finalização (embora estivesse com ganas de publicar aqui a obra inteira de Álvaro de Campos - correndo o risco de um processo por parte de uma editora qualquer), um poema algo mais formal...


Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-star que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou.
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.

Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horros fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria:
Desde ontem a cidade mudou.

Imagens de www.releituras.com, http://ciencias1.locaweb.com.br e www.ciencias.com.br.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Tributo a Leonard Cohen: The Stranger

Em Leonard Cohen nunca a face literária fica oculta. É claramente para quem gosta de algo mais do que de sonhos adolescentes. Pesadelos também, por vezes... Em jeito de homenagem, aqui fica um dos seus mais emblemáticos poemas/letras, The Stranger Song, encontrável em The Songs of Leonard Cohen, precisamente o seu primeiro álbum, gravado quando já ele ia nos seus trinta e tais:


It's true that all the men you knew were dealers
who said they were through with dealing
Every time you gave them shelter
I know that kind of man
It's hard to hold the hand of anyone
who is reaching for the sky just to surrender,
who is reaching for the sky just to surrender.
And then sweeping up the jokers that he left behind
you find he did not leave you very much
not even laughter
Like any dealer he was watching for the card
that is so high and wild
he'll never need to deal another
He was just some Joseph looking for a manger
He was just some Joseph looking for a manger
And then leaning on your window sill
he'll say one day you caused his will
to weaken with your love and warmth and shelter
And then taking from his wallet
an old schedule of trains, he'll say
I told you when I came I was a stranger
I told you when I came I was a stranger.
But now another stranger seems
to want you to ignore his dreams
as though they were the burden of some other
O you've seen that man before
his golden arm dispatching cards
but now it's rusted from the elbows to the finger
And he wants to trade the game he plays for shelter
Yes he wants to trade the game he knows for shelter.
Ah you hate to see another tired man
lay down his hand
like he was giving up the holy game of poker
And while he talks his dreams to sleep
you notice there's a highway
that is curling up like smoke above his shoulder.
It is curling just like smoke above his shoulder.
You tell him to come in sit down
but something makes you turn around
The door is open you can't close your shelter
You try the handle of the road
It opens do not be afraid
It's you my love, you who are the stranger
It's you my love, you who are the stranger.
Well, I've been waiting, I was sure
we'd meet between the trains we're waiting for
I think it's time to board another
Please understand, I never had a secret chart
to get me to the heart of this
or any other matter
When he talks like this
you don't know what he's after
When he speaks like this,
you don't know what he's after.
Let's meet tomorrow if you choose
upon the shore, beneath the bridge
that they are building on some endless river
Then he leaves the platform
for the sleeping car that's warm
You realize, he's only advertising one more shelter
And it comes to you, he never was a stranger
And you say ok the bridge or someplace later.
And then sweeping up the jokers that he left behind ...
And leaning on your window sill ...
I told you when I came I was a stranger.



Muito brevemente, Leonard Cohen nasceu em Montreal, Canadá, a 21 de Setembro de 1934, de uma família judia da classe média. O seu pai, um comerciante de vestuário, morreu-lhe quando tinha apenas nove anos e Leonard cresceu num ambiente liberal e em que sempre se sentiu encorajado a expressar-se.
Começou a tocar guitarra aos 13 anos, supostamente para impressionar uma rapariga, mas em apenas um a dois anos já interpretava os seus próprios temas em bares locais. Mais tarde, formou-se em Estudos Ingleses pela Universidade McGill e, apesar das suas notas medianas, ganhou o Prémio McNaughton de escrita criativa em 1955, ainda antes de completar a licenciatura.
O seu primeiro livro de poemas, Let Us Compare Mythologies (1956) foi aclamado pela crítica, tendo-se-lhe seguido mais duas obras líricas. Entretanto, Leonard experimentava com muitas mulheres, com o LSD e viajava pelo mundo fora. Mudou-se brevemente para Inglaterra em 1959, mas foi na ilha grega de Hidra que viveu durante sete anos, ainda que com viagens de regresso ao Canadá e Estados Unidos. Em 1963 publicou o seu primeiro romance, The Favorite Game, que prosseguiu com Beautiful Losers, em 1966.
O seu primeiro álbum, desde logo complexo e melancólico, surgiu somente em 1968, na sequência de um apadrinhamento musical de Judy Collins. Cohen gravou nove álbuns de originais, contando ainda com múltiplas compilações, um par de álbuns ao vivo e colaborações interessantes, sendo que em algumas lê os seus próprios poemas. Vários dos seus temas foram também interpretados por artistas tão díspares como Nana Mouskouri e Nick Cave.
Em 1993, Leonard Cohen, que nunca deixou de publicar o ocasional livro de poemas, retirou-se para o Zen Center de Mount Baldy, perto de Los Angeles, tendo aí sido feito monge zen em 1996. A partir de 1999 regressou ao mundo dos mais comuns mortais.



Imagens de www.webheights.net.

domingo, dezembro 11, 2005

Soares não apresenta queixa-crime contra "atrasado mental"


"Oh vigarista! Vai assaltar o Banco de Portugal para dar dinheiro aos turras para matarem portugueses!", terá lançado um ex-combatente ao candidato Mário Soares, quando este hoje visitava Barcelos em campanha. O popular terá, inclusive, tentado agredir Soares, chegando a magoá-lo com uma pancadita no braço, antes de ser prontamente dominado pelos seguranças do político.
Cavaco e Jerónimo apressaram-se a condenar o acto do indivíduo... como convém.
Bom, estas coisas são sempre de condenar... A questão é que Soares (que, segundo fontes do blog, acreditem ou não, não tinha vontade nenhuma de se candidatar à derrota quando estaria muito melhor a dar opiniões nos canais televisivos, mas terá sido extremamente pressionado por uma determinada organização a que, diz-se, se encontra ligado - isto, já não se fazem organizações secretas como antigamente...) terá saído do local afirmando não ir fazer queixa do indivíduo às autoridades por o mesmo aparentar ser atrasado mental.
Muito, muito, muito mal... Claro que se eu estivesse no lugar do Soares, com a idade do Soares e, ainda por cima, eventualmente a candidatar-me contra a minha vontade, talvez também me saísse um disparate do género...
O que Soares e os restantes políticos têm que compreender é que andam a pedi-las há muito, muito tempo. Eu penso que, no meio do seu autismo, devem entendê-lo, pelo menos, um bocadinho. É muito possível que o indivíduo que hoje se zangou com Soares não seja "atrasado mental", talvez apenas um pouco mais nervoso do que é normal cá no rectângulo. E quem sou eu para afirmar que, quando os elementos do nosso clube da política forem agredidos, verbal ou fisicamente, não as terão andado a pedir? Podem ter andado, quiçá... Se calhar, até bastante... quiçá... Ainda bem que vivemos num país onde não se maltratam seriamente presidentes nem coisa do género. Só um, se a memória não me falha. E, à parte isso, só reis: o D. Carlos e o seu herdeiro que o digam, lá onde estiverem.


Imagem de http://tsf.sapo.pt.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Ainda me lembro de quando a FNAC funcionava bem...


Palavra que ainda me lembro de quando a FNAC funcionava bem!...
Façam o favor de se reportarem à obra por mim mencionada dois posts atrás - Os Rapazes da Droga... Ontem, dei-me ao trabalho de a procurar na Fnac do Norte Shopping e, após grandes e grandemente aturadas pesquisas, fui descobri-la no meio da secção de Poesia. Claramente escrito: POESIA.
Bom, como o livro não é certamente de poesia, seja ou não possível encontrar alguma forma de poesia em todas as coisas da vida, peguei num exemplar e dirigi-me ao balcão que ficava a uns dois metros dali e onde as funcionárias se movimentavam num afã que não lhes terá permitido, durante largos instantes, notar a minha presença.
Por fim, consegui chegar à fala com uma delas... Expliquei-lhe a situação.
"Ah, é que aí diz Poesia, mas nós pomos lá livros de poesia e outros, não importa!", esclareceu-me sobranceiramente a funcionária.
"Mas olhe, isso gera confusão e muita gente não vai encontrar o livro que procura, enquanto outros nem lhe vão prestar atenção simplesmente por não estarem interessados em poesia...", repliquei.
"Bom, mas é assim que fazemos!", exclamou ela, já agastando-se inutilmente.
"Então...", opinei, não sem razão, "... trata-se de má organização".
"Pronto, então obrigada pela sua opinião!", exclamou a moçoila, voltando-me as costas.
Isto pareceria bem - mas não estava bem - há uns largos anos. Mas não parece nada bem hoje e muito menos num local com as responsabilidades da Fnac.
Como não havia mais nada a fazer e me irritou o facto de que a cachopa lá estava, toda risonha e incompetente, a conversar com as colegas, dirigi-me ao balcão central e pedi uma folhinha de reclamações. Lá ficou. Servirá para alguma coisa? Ainda me lembro de quando a Fnac funcionava bem...

O que pretendo fazer é lançar-vos um apelo para que não deixem de prencher as vossas reclamações de cada vez que alguém, num estabelecimento de atendimento público, vos tratar como se tivesse o rei na barriga. O cliente tem direitos inalienáveis e aqui não estamos na Moldávia Interior. Penso que foi Confúcio quem disse que se alguém visse uma pessoa com fome, não lhe deveria dar um peixe e sim ensiná-lo a pescar. De cada vez que reclamarem relativamente a um atendimento incorrecto num estabelecimento comercial, num centro de saúde, numa repartição de finanças ou onde for, estarão a ensinar a algum pobre mendigo como se pesca. E talvez, embora isso seja mais lento, a dar-lhe um pouco da necessária educação...


Imagem de http://pointofview.bluehighways.com.

Oliver Twist, Polanski no máximo esplendor

Só alguém muito distraído ou desconhecedor não saberá que Charles Dickens foi mais revolucionário nas suas obras do que alguma vez o souberam ser Karl Marx ou Friedrich Engels, oriundos de famílias burguesas e endinheiradas. Dickens sabia do que falava quando retratava a Inglaterra mesquinha, sombria e miserável da Revolução Industrial, ou não tivesse ele no curriculum histórias como a de ter ido com toda a família para a prisão para poderem ter algo para comer...
E é uma das obras primas do autor, Oliver Twist, que Roman Polanski desta vez nos traz ao grande ecrã (ao grande, porque continuo a recusar-me terminantemente a adquirir um DVD para ver grandes obras na sua versão em todos os aspectos microscópica) e que, embora obviamente não candidata ao Óscar (porque os óscares se centram em trabalhos menores e lamechas, saídos directamente de Hollywood), se afirma de imediato como uma obra de antologia. Sei porque o vi ontem. E ainda que Polanski nunca me engane, fiquei fascinado com o grau de mestria com que retratou as personagens de Dickens, num trabalho cuidadosamente fiel a Dickens e à Inglaterra do século XIX. Excelente fotografia, excelente ambiente, excelente direcção de actores, óptima banda sonora, Polanski no seu máximo esplendor.
O filme conta com o celebrado Ben Kingsley no papel do patético Fagin. E ainda com Jamie Foreman na encarnação do psicopata Bill Sykes e, quanto a nós, fundamentalmente duas revelações no mundo da sétima arte: Barney Clark (12 anos de idade) como Oliver Twist e Harry Eden (15 anos) como Artful Dodger. O filme é uma co-produção europeia e ainda bem. Apesar de Polanski ser, actualmente, livre de se movimentar e trabalhar em Hollywood, está muito melhor onde está, sabe-o e é assim que melhor goza da liberdade de nos oferecer obras primas como a presente...
Quem assim o desejar, poderá consultar inúmeros dados sobre a obra e ainda sobre o seu contexto histórico no site http://www.sonypictures.com/movies/olivertwist/



Roman Polanski nasceu a 18 de Agosto de 1933 em Paris, filho de pais com ascendência judia, mas mudou-se para Cracóvia, na Polónia, com apenas três anos de idade. Aos seis anos, viu a Polónia ser tomada pelos exércitos nazis de Hitler, tendo sido enviado com a família para o gueto. Pai e mãe seguiram para um campo de concentração. No final da Guerra, voltou a viver com o pai, mas acabou por sofrer maus tratos às mãos deste e, sobretudo, da madrasta, com quem se dava mal.
O pai via com maus olhos o facto de Roman ter decidido estudar a arte cinematográfica, mas o jovem persistiu, tendo realizado o seu primeiro filme ainda na Polónia.
Em 1965, após um longo período de paragem na sequência de um acidente, mudou-se para o Reino Unido, onde dirigiu o conhecido Repulsa. Seguiu, então, para os Estados Unidos, terra dourada da sétima arte, onde iniciou uma carreira de sucesso. Lamentavelmente, a alegria foi de curta duração... A sua mulher, a jovem e prometedora actriz Sharon Tate, foi assassinada com rituais satânicos pelo bando de Charles Manson, a "Family Manson", o que perturbou fortemente o realizador.
Em 1977, vítima de acusações de ter mantido relações sexuais com uma jovem de 13 anos, Polanski refugiou-se em França, onde viveu com Nastassja Kinski e prosseguiu a sua carreira filmográfica.
Actualmente livre das acusações de então e perfeitamente livre de viver e trabalhar nos Estados Unidos, Polanski adquiriu um estatuto que lhe permite declinar tal posibilidade, optando antes por produções europeias que lhe permitem uma maior liberdade de expressão, certamente a bem dos cinéfilos e da sétima arte.
É casado com a actriz francesa Emmanuelle Seigner, com quem tem dois filhos.
Entre os seus melhores filmes, destacamos Rosemary's Baby (1968), Chinatown (1974), Tess (1979), Piratas (1986), Lua de Mel, Lua de Fel (1992), O Pianista (2002) e este deslumbrante Oliver Twist (2005) que agora nos oferece.
O perfeito protótipo do lutador genial, foi ele quem afirmou: Cada fracasso só me tornou mais autoconfiante. Porque me fez querer ser mais bem sucedido como vingança e mostrar do que sou capaz.



Imagens de http://us.movies1.yimg.com e www.onlineathens.com.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Os Rapazes da Droga


E para continuar na onda natalícia do post anterior, também porque a época é claramente de consumo, eis a prova de que ainda há coisas que vale a pena consumir num livro que acabo de descobrir e que absorvi de uma golada e com muito prazer...
Os Rapazes da Droga, da autoria de Hernâni Carqueja, psiquiatra com experiência em CATs, e publicado pela Editorial Magnólia (mais uma das ramificações da Quasi, aderente, se não estamos em erro, à lastimável e crescente técnica de colocar os autores literalmente a pagar as edições) é uma pedrada no charco. Sem hermetismos científicos exclusivos da comunidade médica nem fábulas de tonalidade clara ou escura de quem não sabe do que fala exactamente, a obra trata de experiências de vida, de vidas e não do historial clínico da face mais visível da droga na sociedade actual, isto é, do seco e quiçá moralizante historial de todos os que não têm posses para se pagar tratamentos em clínicas selectivas para quem pode pagar. Não se encontram aqui moralismos bacocos nem julgamentos subjectivos de qualquer tipo. O que há, é gente, como eu e vocês. Gente com percursos interessantes e que nos levam a reflectir. Mas nada como reproduzir as palavras que Hernâni Carqueja destinou à contracapa para vos transmitir, pelo menos, uma pequena ideia do que aqui encontrarão:
Os Rapazes da Droga tem por objectivo trazer a público o relato cru e despreconceituado de algumas histórias - ou parte delas - das muitas que tenho escutado, enquanto psiquiatra, no trabalho com toxicodependentes. Algumas são contadas na primeira pessoa, outras não. Porque se trata de vidas reais e não de ficção, foram ocultados os nomes ou os factos que de alguma forma pudessem identificar ou prejudicar os doentes que mas contaram. Este livro não fala sobre "o problema da toxicodependência", mas sobre pessoas que algures nas suas vidas também se cruzaram com "o problema da toxicodependência".
Mais e igualmente interessantes e originais trabalhos é o que o Master deseja ao autor e aos seus potenciais leitores... Para que não sejam sempre os mesmos chatos a bater nas mesmas teclas gastas.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Aquele abraço

Sei bem que isto subverte, de certo modo, a imagem (tão bem cultivada, eheheh!) do It Takes Two. Mas aqui vai, ainda assim, uma imagem do que de facto espero que seja o espírito de Natal e do ano inteiro para todos vós, a quem também envio um abraço.

domingo, dezembro 04, 2005

O Verão Quente sem tretas de historiadores (3)


"Ya" (ou "ja", para maior correcção) e a versão perdida "oui". "Fixe". "Careta". "Curtir", "vamos fazer uma curtição". "Mene" ("man", na verdade). "Xis". "Baptizar" alguém. "Tás a topar?", seguido da simplificação "topas?", do pouco bem sucedido "domas?" e do actual "tás a ver?", já há muito tempo em uso... Pouquinho mais tarde, chegaram o "bué" ou o "totil", entre outros. Sorrio sempre quando noto que os putos de hoje acham sinceramente que inventaram esta terminologia toda...
Subitamente, toda a linguagem desabou nas cabeças dos portugueses, até então tradicionalistas qb. Tudo isto podia ser acompanhado por um "v" do médio e indicador, entre cabelos longos, calças à boca de sino, tudo muito, muito freak, muitas vezes, enfim, tão freak quanto os pais de cada um permitiam...
De repente, num país congelado durante 48 anos (pelo menos), viveu-se uma misturada de tempos de hippies, freaks, as versões primitivas do actual new age, os anos voaram em pouco tempo numa recuperação absurdamente rápida e absolutamente natural.
Muitos destes termos e dos novos costumes chegaram-os às levas com as remessas de "retornados" ou "refugiados" (como muitos preferiam ser denominados) que escaparam às guerras civis de Angola e Moçambique, onde deixaram todas as vidas e todas as vivências. Eram vivências muito diferentes das nossas... E vieram gerar uma miscelânea curiosa a que nunca mais escapámos...



O sempre corajoso Vilhena teve a força de satirizar o drama e os seus aproveitadores. Muita gente via nos "retornados" gente estranha com estranhos costumes que só vinha ocupar o lugar dos portugueses (!) e considerava-os, acima de tudo, fascistas que viviam à custa dos subsídios que iam sacar aos nossos bolsos de honestos trabalhadores. Tenho montes de histórias de "retornados" que poderia contar. E pergunto-me onde estarão actualmente... Muitos viram familiares serem mortos ou recrutados à força. Muitos passaram dias deitados no chão da casa de banho enquanto os obuses voavam em todas as direcções sobre as suas cabeças. Foram presos pelos exércitos todos. Vi muitos putos perfeitamente traumatizados e não estou a falar da mania actual de traumatismo para aqui, traumatismo para ali. Perderam tudo e chegaram de mãos a abanar porque os nossos políticos e militares decidiram que amavam os exércitos que depois se dedicaram a destruir África e os africanos enquanto abominavam os fascistas colonizadores (que eram eles mesmos).
A ganza chegou também com eles. Lembro-me de um tipo que trouxe um tapete cheio de "boi" lá dentro. A versão moçambicana era a "seruma" (ou "suruma"). O certo é que nunca mais nada seria igual. Ainda não havia Coca-Cola mas os freaks nacionais estavam preparados para passar manhãs inteiras no café a beber o que simultaneamente chamavam "água suja do imperialismo americano" às grades, mal a sua comercialização passasse a ser permitida no nosso país.



As plantações cresceram e multiplicaram-se como por ordem divina e todos os dias vinham nos jornais notícias de que tinha sido descoberta mais uma plantação de "liamba" fosse nos jardins da Arca de Água, fosse na Cordoaria ou até nos locais mais insuspeitos do Portugal mais fundo...
Recordo-me de chegar, certo ano, à aldeia onde sempre passara o mês de Setembro (no tempo em que o ensino era "eficaz", as aulas só começavam em Outubro) e estava tudo feito freak. Não só estava tudo feito freak como ainda os montes estavam, aqui e acolá, cobertos daquelas plantas neófitas que faziam rir uns tantos e geravam carrancas noutros tantos. O folclore estava morto. E os jovens do país profundo dançavam danças demoníacas ao ritmo de bandas com um som mais pesado. "Ya, nunca uso cuecas", disse-me um tipo de calças de ganga coçadas e de cabelo encaracolado quase pelos rins, enquanto curtíamos a manhã no banco do café, junto ao adro da igreja.
Claro que os arrumadores, os hepatíticos, os sidosos, os desdentados, ainda estavam para vir e esses não tiveram relação directa com os "retornados". Na altura, a cena era mesmo a ganza e o ser freak. Com franqueza, no meio da confusão toda, era uma idade de ouro e de inocência...



Foi também a idade de ouro de todos os falsários. Os livros do Lobsang Rampa (pretenso monge tibetano fugido aos chineses) vendiam-se como ar condicionado no Verão em países ricos. O Robert Charroux era mais conhecido do que o tremoço em Portugal ou o pistacho na Grécia. Nunca consegui ver o filme Eram os Deuses Astronautas?, porque os bilhetes se mantiveram esgotados semanas a fio. Montes de putos, eu incluído. participávamos em grupos de "estudo de ovnilogia e do oculto" e cheguei a receber muita correspondência do CEFC (Centro de Estudos Fraternidade Cósmica), uma seita ou coisa que o valesse dirigida pelo siciliano Eugenio Siragusa, o qual se afirmava em contacto permanente com os extraterrestres que nos visitavam e procuravam salvar o mundo. Aquele californiano de quem já nem me lembra o nome e que nos anos 50 ou por aí tinha fotografado tampas de caixotes de lixo em pleno vôo para ilustrar as suas patranhas de encontros com uma civilização venusiana, era célebre. Cheguei a enviar uma carta assinada por um pretenso extraterrestre para uma revista de que se me esqueceu o nome, a qual foi tomada com algum grau de seriedade.
Contavam-se histórias de avistamentos de ovnis e todos tinhamos alguma para contar... Certa noite, deveria ser um helicóptero, suponho, todos vimos e perseguimos um objecto desses que nos sobrevoou em plena cidade do Porto, certamente com algo de importante a comunicar. No Alentejo, recordo-me, houve muito quem presenciasse o aparecimento de um ovni com a forma de uma foice e um martelo. Mas engraçado mesmo, era a quantidade de gente que passava as noites daquele Verão na Foz, observando cuidadosamente o planeta Vénus, com a convicção absoluta de que se tratava de um ovni que diariamente ali vinha realizar o seu vôo.
Enquanto alguns se odiavam, se roubavam e, por vezes, se matavam, o Verão Quente teve muita coisa gira...


Imagens de www.oldhippie.de, http://jak.jinak.cz, www.tabacaria.org e http://spacejay.com.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Portugal e a anexação espanhola


Primeiro de Dezembro... Comemora-se uma oportunidade perdida ou a oportunidade ganha de uma independência secular. Cada cabeça, sua sentença. Aqui há tempos, coloquei uma votação (Bravenet) no blog e eis os resultados, muito a propósito:


Pergunta: O que achariam de Portugal ser pacificamente anexado pela Espanha?

Respostas:

- Fantástico. Acabava-se a bandalheira e a podridão. 3 votos; 9%

- Nunca. Os nossos heróis não derramaram o seu sangue em vão. 3 votos; 9%

- Talvez houvesse ainda um pouco de bandalheira, mas ganhava-se mais e os preços seriam mais aceitáveis. 24 votos; 75%

- Preferia que Portugal fosse anexado pela Indonésia. 2 votos; 6%

- Que? No compreendo portugues! Soy muy malo en lenguas! 0 votos; 0%

Total de 32 votos. Terceira hipótese ganhou com 75% dos votos. Embora muito dificilmente se trate de uma sondagem em condições (inclusive pelo facto de vocês se terem esquivado a votar!), que nos deixe, pelo menos, a pensar... Boa noite.